Presidente do COREN-SP divulga a jornalistas a realidade da enfermagem

O que se fala e o que se vê. Recentemente, alguns fatos envolvendo profissionais de enfermagem têm sido alvo de atenção da imprensa. Casos como o da garota Stephanie Teixeira, morta após receber vaselina em lugar de soro fisiológico; o caso da menor Mariana, morta após receber oxigênio via endovenosa e, mais recentemente, o caso da pequena Tiffany, que teve uma porção da falange amputada durante a retirada de uma atadura, foram manchetes em todos os jornais, revistas, portais de internet, rádios e emissoras de televisão do país. No centro das atenções e das acusações, o profissional de enfermagem.

O COREN-SP, órgão que tem por atribuição legal a fiscalização e a disciplina do exercício profissional de enfermagem foi, naturalmente, procurado por todos os veículos de imprensa, sem exceção. A todos, indistintamente, foi apresentado o cenário no qual a grande maioria dos profissionais de enfermagem atua hoje. Ambientes que carecem de muitos – ou de quase todos – os recursos necessários para a garantia de uma assistência segura; equipes subdimensionadas, salários incompatíveis com o nível de responsabilidades dos profissionais, estresse, entre outros fatores que quase que obrigatoriamente tornam a assistência de enfermagem um exercício de risco e de sorte/azar, independente da competência profissional, independente de seu preparo técnico e científico.

No entanto, o relato de todas as condições que favorecem a ocorrência do erro não são, necessariamente, priorizadas pelos editores dos jornais e programas de rádio e televisão. Não pela existência de qualquer interesse pessoal ou corporativo que determine a omissão desses pontos, mas, sim, devido ao fato de não perceberem que o foco de suas pautas não está naquele fato isolado. O problema não é a amputação sofrida pela menina Tiffany, ou mesmo as lamentáveis mortes de Stephanie e Mariana. O problema reside em todo um sistema que facilita o erro, que abre as portas para atitudes sem segurança.

Ao abordar os fatos que provocaram as mortes e também a amputação, o COREN-SP não se eximiu da responsabilidade de mostrar à imprensa os fatos que, direta ou indiretamente, contribuem para o erro de um profissional de enfermagem. No entanto, foram poucos os veículos que citaram tais fatos. Grande parte deles optou por focar no erro humano. Repetimos: não por interesses pessoais ou corporativos, mas, tão somente, por uma opção editorial, que preferiu focar no drama humano, exclusivamente.

Dos assuntos que foram abordados pelo COREN-SP nas entrevistas que duraram, em média, entre 15 e 20 minutos, falou-se, sim, sobre a precariedade na formação profissional – fato reconhecido não apenas na formação dos profissionais de enfermagem, mas em grande parte das profissões. Mas foram também abordados os seguintes temas:

1)Condições de trabalho: unidades sem material em número adequado, ou mesmo a ausência de itens necessários para a prestação de uma assistência de enfermagem adequada, obrigando o profissional, muitas vezes, a lançar mão do improviso para a substituição desses materiais. No caso da menina Tiffany, apesar de a apuração dos fatos ainda não ter sido concluída, poderemos apurar que não havia, na unidade, uma tesoura apropriada para o corte de ataduras.

2)Exploração do trabalho da enfermagem: O dimensionamento inadequado, abaixo das necessidades das unidades, também é um outro problema enfrentado pelas equipes de enfermagem de instituições de todo o país. Número de leitos em geral muito maior do que a capacidade de prestar a assistência a cada um de maneira correta, segura e humana. Este fato também foi destacado aos muitos jornalistas que estiveram no COREN-SP.

3) Péssimas condições nos processos seletivos: outro fator que gera grandes riscos na assistência ao paciente, mas que é pouco considerado, ou mesmo ignorado, é o processo de seleção de profissionais de enfermagem para as instituições de saúde. Muito raramente a Gerência de Enfermagem ou os enfermeiros- chefes das unidades estão envolvidos diretamente nos processos de seleção daqueles que serão responsáveis pelos cuidados aos seus pacientes. O processo de seleção e admissão, em grande parte das instituições, cumpre ritos meramente burocráticos, não havendo, em momento algum, uma avaliação prévia de competências. Apenas em situações críticas –e, por vezes, irreversíveis, é que se vai avaliar a competência de um determinado profissional.

4)Baixos salários / acúmulo de vínculos: este, sem dúvida, o maior problema enfrentado pela enfermagem de todo o Brasil. Foi pontuada aos repórteres que procuraram o COREN-SP nas últimas semanas a questão dos baixos salários da categoria, e de suas conseqüências: a busca, quase que obrigatória, por um terceiro ou quarto emprego, o estresse, o cansaço e a desatenção decorrente desta dupla ou tripla jornada de trabalho. Falou-se também dos Projetos de Lei que defendem a jornada de 30 horas semanais para a enfermagem e do que estabelece um piso salarial digno para a categoria. Embora o COREN-SP não tenha , legalmente, condições de exigir a aprovação de tais projetos, o órgão tem manifestado seu apoio à causa, em diversas ocasiões, não apenas em defesa do profissional, mas em defesa do paciente e de todos os usuários do sistema de saúde, que têm o direito de receber uma assistência de enfermagem de qualidade, garantida por profissionais livres do estresse, que traz o risco de danos.

Em suma, esta tem sido a postura do COREN-SP perante os jornalistas diversos que têm comparecido ao órgão, em busca de esclarecimentos para tantos erros da enfermagem, provocando mutilação e mortes. A resposta para nós é clara – uma combinação de todos esses fatores, aliada a um padrão de formação que não acompanha os avanços tecnológicos e científicos da ciência que praticamos e que não atende aos desejos e exigências de uma sociedade cada vez mais ciente de seus direitos, e que merece ser tratada com dignidade respeito.

Cláudio Alves Porto
Presidente do COREN-SP