Dra. Alva Helena aborda os impactos do racismo na enfermagem e no acesso à saúde no Brasil

A enfermeira Alva Helena de Almeida já estava aposentada de uma longa e bem-sucedida carreira na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo quando foi surpreendida pelas notícias sobre o sofrimento que a pandemia de Covid-19 estava causando nos profissionais de saúde da linha frente da assistência. “Não havia EPIs disponíveis, havia a orientação que não era para usar máscaras para não assustar a população, começaram a divulgar os dados de contaminação e morte desses trabalhadores e comecei a ficar absolutamente agoniada com isso tudo”, recorda. A profissional, formada em 1979 pela Escola de Enfermagem da USP, decidiu que era hora de agir.

Alva Helena de Almeida se inquietou com a forma como a pandemia afetou os profissionais de enfermagem que estavam na base da assistência e a partir daí criou a ANEN

Ela então recorreu à pesquisa “Perfil da Enfermagem Brasileira”, lançada pela Fundação Oswaldo Cruz e pelo Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem em 2015 e, ao cruzar os dados da pesquisa com as informações sobre a pandemia, percebeu que quem mais sofria com a crise sanitária era justamente a grande massa de trabalho da enfermagem brasileira: profissionais do nível médio, em sua maioria mulheres negras. “Eram dados extremamente importantes porque evidenciavam as desigualdades entre as categorias profissionais dentro da enfermagem e essas desigualdades acompanham a trajetória desses profissionais inclusive durante a pandemia”, diz.

A partir dessa inquietação inicial, Alva começou a procurar pares e a fazer videochamadas e contatos com outras profissionais que compartilhavam das mesmas preocupações. Em setembro de 2020 esse grupo fundou a ANEN (Articulação Nacional da Enfermagem Negra), com o objetivo de combater as desigualdades e o racismo que se reproduziram também na forma com que o trabalho da enfermagem foi estruturado ao longo dos anos. “O racismo está estabelecido desde a profissionalização da enfermagem brasileira. O primeiro curso em nosso país, fundado em 1923 na Escola de Enfermagem Ana Nery, no Rio Janeiro, definiu que apenas mulheres brancas, indicadas e com formação como professoras poderiam ter acesso. Isso está documentado. Então as mulheres negras, que já faziam esse cuidado, foram afastadas, impedidas de acessar o processo de profissionalização. Essa população foi mantida na base e só passou a ter acesso à profissionalização no governo Vargas, mas no nível médio e não na graduação”, explica.

Alva lembra que além da questão racial, há também recortes de gênero e de classe social na forma como a assistência à saúde brasileira está estruturada: “Do ponto de vista histórico, o cuidado é inerente ao gênero feminino, é a mulher que cuida, que pare, que vai tomar conta do idoso. Isso é natural. Então, no contexto profissional existe uma hipervalorização do papel do médico como aquele que vai lidar com a produção científica. A eles é atribuída a atenção à saúde da elite e temos aí uma divisão social por gênero, por classe e por raça”.

Enfrentamento do racismo institucional na saúde

Por 18 anos, de 1991 a 2010, Alva teve a oportunidade de trabalhar na gestão do CEFOR/SUS-SP, Centro de Formação de Profissionais para o sistema de saúde municipal da capital. Isso a fez ter uma visão aprofundada do SUS.



Embasada por essa visão e em sua experiência profissional e também em seu trabalho à frente da ANEN, ela moderará a palestra “O SUS e as estratégias de enfrentamento do racismo institucional”, que será transmitida ao vivo pelo YouTube do Coren-SP no dia 3/11, quarta-feira, às 15h. A palestra é parte da programação da Mobilização Pró-saúde da População Negra, uma série de atividades desenvolvidas pelo conselho e pela ANEN como parte das comemorações do Mês da Consciência Negra.

Para visualizar a programação completa de atividades e garantir sua inscrição gratuita, é só acessar a página do evento no portal do Coren-SP.

Participar desse tipo de mobilização é fundamental, pois como a própria Alva coloca, o racismo diz respeito a toda a população e não apenas à população negra: “Desde a década de 70, o movimento negro está falando das dificuldades que essa população enfrenta no país. Tivemos uma abolição inconclusa: a abolição foi feita mas não foram dadas as condições adequadas a essa população. Então o mês da consciência negra não é só para o povo negro, é para toda a sociedade se dar conta de que existem essas desigualdades e que é preciso fazer alguma coisa em relação a isso. Paralelamente, chamamos a atenção sobre a saúde da população negra, que apresenta uma diferença muito grande em relação ao restante da população quando comparamos indicadores como a longevidade e expectativa de vida, por exemplo. Hoje temos uma classe média e uma classe alta negra, então não são todos que estão sujeitos a essa base, mas 70% da população negra é SUS-dependente. Então é preciso ter esse olhar de que nascer, viver e morrer é diferente para brancos, negros, indígenas e amarelos na sociedade brasileira. E se eu não tenho essa formação, preciso aprendê-la em algum lugar”.