Enfermeiro desvenda racismo institucional enfrentado na docência

“Pessoal vocês terão um professor negro”. Foi com essa frase que o enfermeiro Roudom Ferreira Moura foi apresentado pela coordenadora para uma turma de graduação, anos atrás em uma universidade privada do município de São Paulo.

“Acredito que não foi a intenção dela fazer discriminação racial, mas o racismo está tão naturalizado no Brasil, que é difícil percebermos quando estamos praticando. Naquele momento imaginei: se fosse um novo professor branco ou amarelo, ela iria apresentar da mesma forma? Essa não foi a primeira vez que passei por discriminação racial, muito menos seria a última que enfrentaria por estar num emprego hegemonicamente branco. Mas sei que mesmo diante dessas atitudes, precisei preservar minha saúde mental para prosseguir numa verdadeira perspectiva antirracista na universidade.

O enfermeiro Roudom é doutor e mestre em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSPUSP). Ele publicou diversos artigos científicos relacionados à saúde da população negra e conta como foi sua trajetória na enfermagem.

Enfermeiro Roudom Ferreira Moura

“Sou graduado em enfermagem desde 2003 e finalizei meu doutorado em Epidemiologia em 2021. O título da minha tese foi “Idosos brancos e negros da cidade de São Paulo: desigualdades das condições sociais e de saúde”. Decidir fazer a pesquisa sobre esse tema depois de um evento que participei em São Paulo, em 2010, sobre os dados preliminares da pesquisa Saúde, Bem-estar e Envelhecimento. Ao terminar todas as apresentações, fiz uma pergunta: em relação aos idosos negros, vocês poderiam colocar quais as diferenças raciais? A resposta foi “não”. Isso foi marcante para mim e me incentivou na luta que culminou em uma tese de doutorado, que tem repercutido para todo o Brasil”, relembra.

Dr. Roudom contribuiu de forma significativa para a saúde, com diversas pesquisas publicadas, entre elas: Indicadores de saúde da Covid-19 nos primeiros quatro meses no estado de São Paulo, Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: iniquidades raciais em saúde, Novo Coronavírus (2019-nCoV): análise da magnitude nos dois primeiros meses da epidemia e fatores associados à adesão à vacinação anti-influenza em idosos não institucionalizados.

“O fato de eu ser negro me influenciou para esses estudos, práticas e pesquisas. É importante ressaltar que a discriminação racial é uma prática exercida, na maioria das vezes, de forma sutil. Não acredito que avançamos significativamente numa perspectiva antirracista no Brasil, isso fica muito bem observado quando ligamos a televisão, por exemplo. Poderíamos contar os negros que aparecem, bem como os locais que os seus corpos ocupam. As estatísticas sociais e de saúde raciais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), evidenciam que os negros (pardos e pretos) possuem os piores indicadores sociais e de saúde”, destaca.

Atualmente, o enfermeiro está realizando uma pesquisa, em conjunto com outras enfermeiras, cujo tema é “A enfermagem brasileira na perspectiva do recorte racial: um olhar sobre o quesito raça/cor da pele”. Segundo Roudom, o estudo tem revelado que a enfermagem brasileira é negra (pardos e pretos) em sua maioria. Contudo, à medida que a escolaridade aumenta, a enfermagem espelha o fenômeno do “embranquecimento”. Os dados materializam os efeitos do racismo estrutural, um complexo sistema político, econômico e cultural que produz desigualdades. Assim como o racismo institucional, mediante a reprodução sistemática de práticas e normas que estabelecem desvantagens e privilégios entre os grupos populacionais numa estrutura organizacional.

“O Brasil precisa melhorar a implementação de políticas públicas e sociais, visando combater o racismo estrutural, institucional e iniquidades sociais e em saúde. Mesmo com as cotas nas universidades, uma forma de reparo social e histórico, percebemos ainda poucos enfermeiros e médicos negros nas áreas de assistência, ensino e pesquisa”, complementa.

O Dia da Consciência Negra é comemorado nacionalmente no Brasil em 20 de novembro, desde 2011, com o sancionamento da Lei nº 12.519. Buscando destacar os profissionais da enfermagem, o Coren-SP apresenta uma série de entrevistas sobre as práticas antirracistas e de inclusão no ambiente de trabalho durante o mês de novembro.