Navegação de pacientes: uma nova tendência na enfermagem

Certa vez, ao afirmar que realizava navegação de pacientes, a enfermeira Renata Moreira Xavier Madrid foi confundida com alguém que trabalhava dentro de embarcações. Sem qualquer demérito a esses trabalhadores, porém lutando por reconhecimento à sua área de atuação, Renata — navegadora de pacientes há quase dois anos no Hospital Leforte, na capital — é hoje uma das vozes que tentam desenvolver esse campo da enfermagem, tornando-o mais conhecido no Brasil.

No final da década de 80, o médico norte-americano Harold Freeman tratava pacientes com câncer de mama no Centro Hospitalar de Harlem, em Nova Iorque, e começou a perceber uma diferença significativa nos índices de cura de suas pacientes negras em relação às brancas. As pacientes negras se curavam muito menos, embora o tratamento ministrado a todas as pacientes fosse idêntico.

Ao pesquisar quais poderiam ser as causas dessa disparidade, Freeman descobriu que as pacientes negras eram mais desfavorecidas socialmente e isso tinha um grande impacto no tratamento. Elas não conseguiam aderir ao tratamento da mesma forma que as brancas, pois tinham inúmeras barreiras que dificultavam a adesão.

Essas barreiras eram fatores como: ter que trabalhar, ter que cuidar dos filhos, não conseguir custear o transporte até o hospital, entre outras. Em geral, as barreiras poderiam ser divididas em quatro tipos: financeiras e de acesso; de comunicação e informação; do próprio sistema médico; e pessoais, como medo, desconfiança e questões emocionais. 

Freeman passou a pesquisar uma forma de vencer esses entraves, o que resultou na criação da navegação de pacientes. De forma resumida, o trabalho do navegador é atuar como uma espécie de “advogado” da linha de cuidado do paciente, guiando-o e “navegando-o” durante todo o tratamento, de forma a eliminar toda e qualquer barreira que possa existir e prejudicar o sucesso da terapia.

Essa metodologia de atuação do profissional de saúde chegou ao Brasil no início da década de 2010 e, desde então, cada vez mais serviços de saúde em nosso país contam com a figura do navegador de pacientes.

Atualmente não existem normas que regulamentem quais as categorias profissionais estão habilitadas a atuar nessa área, que não é privativa dos enfermeiros. Apesar disso, há um forte consenso entre os profissionais de saúde sobre a aptidão natural do enfermeiro para atuar como navegador.

Enfermeira Renata Moreira Xavier Madrid

Segundo Renata, um dos aspectos mais importantes desse serviço é evitar ao máximo todas as preocupações e aborrecimentos do paciente com o tratamento. Ela parte do princípio que o doente de câncer já tem uma sobrecarga emocional para lidar por conta do próprio diagnóstico. “As questões burocráticas existem e sempre vão existir, então entendemos que elas são uma questão nossa e não do paciente. Somos nós que pegamos documentos, exames, fazemos pedidos e agilizamos consultas”.

Como navegadora, Renata se esforça para dar a maior celeridade possível ao tratamento, diminuindo o tempo de espera do paciente por consultas ou resultados de exames, por exemplo.

“Sabemos que alguns planos de saúde podem demorar mais para liberar procedimentos e não queremos isso. Nos hospitais privados, temos por lei o prazo máximo de 21 dias para iniciar o tratamento do paciente diagnosticado com câncer, mas queremos começar em um prazo menor e com a navegação de pacientes estamos conseguindo diminuir cada vez mais esse tempo”, afirma.

A profissional conta que no Leforte o trabalho de navegação já conseguiu, em dois anos, apresentar melhoras significativas no processo de tratamento. Uma dessas melhoras foi a definição inicial de uma meta de 10 dias de prazo para começar o primeiro ciclo de quimioterapia. Com o passar do tempo, porém, esse prazo foi sendo melhorado. “Queremos melhorar ainda mais, se possível iniciar o tratamento no dia seguinte ao diagnóstico. Quanto mais precoce começar a quimio, melhor é para o paciente”, explica.

Já a enfermeira Gisele Dias Santos coordena o setor de navegação de pacientes do Hospital Israelita Albert Einstein, um dos primeiros do Brasil a adotar essa prática, em 2014. Lá, a navegação está disponível para pacientes de alta complexidade, sejam oncológicos ou não.

Gisele explica que o serviço de navegação do Einstein surgiu após representantes da instituição conhecerem trabalhos similares no exterior. “Esse serviço nasce com foco e objetivo na jornada do pacientes, tentando transpor as barreiras administrativas, financeiras e psicológicas”, afirma.

Ela conta que o enfermeiro navegador trabalha em um constante equilíbrio entre ser o advogado do paciente e evitar criar problemas para as diversas áreas dentro do hospital. Por conta disso, o perfil desejado para quem quer trabalhar com navegação é ter boa comunicação, saber trabalhar sob pressão e saber lidar com conflitos.

“Nosso dia a dia é sempre tentar não trazer problemas para as áreas executoras, pois uma vez que o paciente chega até nós e pede exame naquele mesmo dia, ele quer uma excelência do atendimento. Cabe a nós pensarmos em como vamos trazer isso para a área daqui do hospital sem criar transtornos, pois se ela não conseguir marcar uma ressonância naquele dia, posso trazer uma insatisfação tanto para o paciente quanto para a área. A navegação tem que tomar muito cuidado nesse ponto, na interlocução”. 

Gisele Dias Santos, Maíra Watson, Aline Goiabeira e Rebeca Oliveira atuam no setor de navegação de pacientes do Hospital Israelita Albert Einstein

Uma nova especialidade?

Cada vez mais considerada um auxílio importantíssimo ao tratamento de pacientes de alta complexidade, a navegação caminha agora para se tornar uma especialidade dentro da enfermagem.

Atualmente, os profissionais que trabalham nessa área se mobilizam para um maior reconhecimento da função. 

O primeiro passo para isso foi dado pelas próprias profissionais, que lideradas por Renata Madrid, Gisele Dias Santos e algumas outras pioneiras, procuraram o Coren-SP no ano passado, ganhando o respaldo e o suporte do conselho.

Em uma primeira reunião com a presidência, ficou acordada a criação de um Grupo de Trabalho (GT) ligado às Câmaras Técnicas do Coren-SP, dedicado ao estudo e ao fomento da navegação de pacientes. Além disso, o conselho cedeu o auditório da sede para a realização de um evento voltado à navegação, que foi realizado no dia 30 de janeiro deste ano. “Estamos transpondo barreiras para que o enfermeiro navegador seja reconhecido e acho que isso ajudará a gente a ganhar força sim”, conclui Renata Madrid, otimista com o futuro da área e provando uma vez mais que desbravar horizontes é algo do cotidiano desses intrépidos profissionais. 

Coren-SP sedia primeiro evento brasileiro sobre navegação de pacientes

Em janeiro deste ano, o Coren-SP sediou o primeiro evento brasileiro sobre navegação de pacientes

 

No dia 30 de janeiro de 2020, foi realizado na sede do Coren-SP o primeiro evento brasileiro sobre navegação de pacientes. Fruto dos esforços de um grupo de enfermeiras que atuam nessa área, o evento serviu para que se iniciassem debates mais amplos sobre esse trabalho, como um primeiro passo para tornar a navegação uma especialidade da enfermagem. O evento consistiu em uma mesa redonda, da qual participaram as enfermeiras Renata Xavier Madrid, do Hospital Leforte; Lucimara Camalionte, do Hospital AC Camargo; Janaina Lopes, do Hospital Paulistano; e Gisele Dias Santos, do Hospital Israelita Albert Einstein, além da médica Ana Cláudia Pinto, da Sharecare.

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