KilomBrasa promove reflexão sobre vivências da população negra no SUS

Iniciativa antirracista nascida na Brasilândia reúne mensalmente trabalhadores, gestores e usuários dos serviços em saúde, além de representantes da educação, cultura e assistência social

No início da manhã da última sexta-feira (14), a chuva caía forte no bairro da Brasilândia, na zona norte da cidade, mas as condições climáticas nem de longe inibiram o público que compareceu ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Álcool e Drogas (AD) III para participar do “KilomBrasa”.

KilomBrasa é um evento realizado mensalmente nos equipamentos de saúde da região da Freguesia do Ó/Brasilândia, como resultado de algo maior, um fórum permanente que tem o apoio da Supervisão Técnica em Saúde (STS) local.

Fórum aborda questões relacionadas a raça dentro do SUS (Acervo SMS)

O primeiro passo em sua estruturação aconteceu em 2014 em outro Caps da região, o Infantojuvenil. A “fagulha”, que mobilizou os profissionais de saúde do equipamento e também usuários do serviço foi a necessidade de discutir a aplicação de princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS), como equidade, integralidade e universalização, ao atendimento prestado à população negra.

“Dentro da proposta de ser uma iniciativa antirracista, vale lembrar que o próprio Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra em 2010, e que 67% da população que utiliza o SUS se autodeclara preta e parda”, diz a enfermeira Estefânia Ventura, uma das criadoras do movimento, juntamente com o psicólogo Emiliano de Camargo David, que é autor da dissertação de mestrado “Saúde mental e racismo: a atuação de um Centro de Atenção Psicossocial II Infantojuvenil”, defendida em 2018 na PUC-SP.

Quesito raça/cor
Levando em conta que o racismo perpassa todas as estruturas da sociedade brasileira, a proposta do KilomBrasa (a palavra é a junção da palavra “kilombo”, que no idioma banto significa “local de pouso e acolhida”, e a forma abreviada pela qual a comunidade da Brasilândia se refere ao território) é trazer visibilidade às pautas das pessoas autodeclaradas pretas e pardas na saúde e também de de modo intersetorial, uma vez que o fórum agrega ainda trabalhadores das áreas de educação, assistência social e cultura.

Em saúde, a pauta inclui respeito às necessidades da população negra, além da igualdade e equidade no atendimento. “Mesmo o preenchimento correto do quesito raça/cor a partir da autodeclaração das pessoas em todos os serviços ainda é um desafio, porque mexe com a sua subjetividade e pode envolver processos doloridos”, acrescenta Estefânia, ressaltando a importância da coleta de dados para oferecer serviços de acordo com a necessidade de cada raça/etnia.

Hoje, dentro da proposta de que o SUS reflita a realidade racial de utilização dos serviços públicos, o KilomBrasa não está mais restrito aos Caps da região. “Durante a pandemia de Covid-19 o movimento se expandiu para toda a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) do território, que inclui equipamentos como Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e Centros de Convivência e Cooperativa (Ceccos), e já está sendo replicado em unidades de outras regiões”, comenta Joyce Gonçalves, fonoaudióloga do Centro Especializado em Reabilitação (CER) Freguesia do Ó/Brasilândia e uma das representantes da comissão de organização do KilomBrasa.

Na última sexta-feira, mas de 100 pessoas, em sua maioria pretas e pardas, embora a proposta seja a de uma participação multirracial, representaram não apenas os trabalhadores em saúde, educação, assistência social e cultura, pois o evento acolhe e ouve ainda as pessoas atendidas pelos equipamentos. Durante as quatro horas do encontro, elas puderam compartilhar vivências, dores e experiências, em um processo de fortalecimento de identidade individual e coletiva, e também da saúde pública.

O próximo KilomBrasa acontecerá no dia 5 de maio, em local a ser definido.

Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo

Saiba mais: