Heroínas da vida real: enfermeiras compartilham a árdua rotina em meio à pandemia

Enfermeiras Talita (esq.) e Maria Aparecida (dir.)

Em meio à pandemia da Covid-19, milhões de profissionais de saúde ao redor do mundo estão atuando na linha de frente para combater a doença. De de acordo com os dados atualizados do Ministério da Saúde, já foram confirmados 4.256 casos de infecções e 136 mortes em decorrência do Novo Coronavírus no Brasil.

Como medidas de prevenção, as autoridades de saúde vêm alertando a população para que todos permaneçam em suas casas, destacando a importância da quarentena e do isolamento social. Entretanto, muitas pessoas não podem seguir à risca essas recomendações, pois precisam ou até mesmo necessitam trabalhar, como no caso dos profissionais da área da saúde.

As enfermeiras Talita Raquel dos Santos Cacique e Maria Aparecida Oliveira Batista trabalham na área de terapia intensiva, a qual recebe cada dia um maior número de pacientes confirmados com Covid-19. Elas contam sobre suas rotinas, aprendizados e medos que esse novo cenário vem trazendo para a realidade dos hospitais brasileiros.

Talita é enfermeira intensivista do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP) e explica que a situação atual está sendo bastante difícil, pois além de algo novo, as recomendações estão mudando rapidamente. “Sinto a equipe tensa. Somos profissionais dedicados, mas temos familiares e nos preocupamos muito com eles também. Estamos tentando nos estruturar para atender com qualidade. Esses pacientes demandam muito cuidado e a equipe fica sobrecarregada”, diz.

A enfermeira ainda conta que também há uma sobrecarga emocional, já que esses pacientes não podem receber visitas, vendo os familiares apenas pelo vidro. “As famílias estão aterrorizadas. Estamos tentando dar suporte a eles e, quanto aos pacientes, o único contato humano que eles têm é com a gente”.

A rotina da enfermeira e especialista em Terapia Intensiva, Maria Aparecida, não é muito diferente. Encarregada pelo serviço de terapia intensiva do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe) desde 2005, ela diz que nunca vivenciou algo parecido.

“Trabalho em UTI há 15 anos. Passei por várias doenças que o nosso país já enfrentou, inclusive a H1N1, que nem se compara com o que estamos lidando. A doença parece enfurecida com tudo e com todos, acometendo alguns grupos de risco e amedrontando quem tem que se expor para cuidar do próximo. Ficamos com medo por nossas famílias e amigos. Às vezes, na correria do dia a dia, mal penso em mim”, conta.

Aprendizados diários

Segundo Maria Aparecida, todos os dias, tanto ela, quanto os profissionais em sua volta, aprendem com o que vivenciam. O choro dos colegas, a angústia ao ouvi-los dizer que não sabem se voltarão para casa, para suas respectivas famílias. Os olhares atentos das equipes em meio aos treinamentos de técnicas de paramentação incentivaram a enfermeira a continuar firme em seu propósito, levando educação, técnica e esperança aos profissionais. “Estamos vivenciando momentos únicos. Muitas vezes, tudo está escondido num simples olhar angustiado, pois nem palavras são suficientes para expressar os sentimentos e as dúvidas. Já presenciei a agonia deles perguntando para seus chefes sobre como serão os atendimentos, como irão proceder, se irão conseguir”, diz.

De acordo com a enfermeira Talita, toda a equipe está atenta aos sinais clínicos esperados para nortear a conduta. “Tentamos adaptar o ambiente, proceder com a melhor forma de paramentação e desparamentação. Estamos atentos sobre como deixar todo mundo seguro com uso racional de EPIs, como transportar de forma segura o paciente dentro da instituição e, também, sobre como organizar a equipe no atendimento”, conta.

Paramentação

O uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) é requisito fundamental para uma assistência segura, tanto com o profissional de saúde quanto para o paciente em tratamento. Por isso, ambas enfermeiras fazem questão de estar em dia com o que é preconizado pelos órgãos de saúde.

“Temos usado máscara cirúrgica o tempo todo dentro da unidade, trocando a cada 2 horas ou em presença de umidade. Para entrar nos leitos de isolamento usamos máscara n95, gorro, óculos, avental e duas luvas de procedimento. O método tem sido eficaz, ainda não tivemos nenhum caso de profissional confirmado. Estamos treinando todos para se paramentarem adequadamente e para retirar a paramentação de forma segura, para que a contaminação não aconteça no momento da retirada”, explica Talita.

Os métodos adotados por Maria Aparecida também são parecidos. “Fazemos o uso de avental impermeável, máscara n95 somente para UTI, com pacientes graves intubados, a qual a condição pode levar a produção de aerossóis. Usamos touca, óculos e álcool. Acreditamos que esses métodos têm sido bem eficazes, mesmo que ainda não tenhamos a certeza do grau de gravidade de cada paciente”, avalia a profissional.

“Apesar de tudo, somos enfermagem”

Apesar das dificuldades e dos enfrentamentos diários, as profissionais deixam um recado especial para os profissionais de saúde. Talita ressalta que, embora o momento traga preocupações, é chegada a hora de ser racional, de usar o conhecimento para transformar a realidade e prestar um cuidado seguro, não só para o paciente, como, também, para a equipe.“Para mim é um desafio. Sinto-me no dever de fazer o melhor, temos as competências necessárias para atuar e transformar essa realidade”, ressalta.

Já Maria Aparecida destaca que essa crise só evidenciou a importância da enfermagem e de todos os profissionais que atuam na linha de frente da assistência.

“Quando a pandemia foi anunciada, todos nós ficamos assustados diante dos acontecimentos do cenário mundial. Tivemos que correr dia e noite juntos a treinar a equipe, acalmar os ânimos, buscar os equipamentos adequados, cobrar e traçar o melhor fluxo e ainda continuamos traçando. Nos arriscamos sim, todos os dias. Mas fazer parte de tudo isso, não tem preço! Sigo à frente dos meus subordinados com amor, carinho, com palavras de conforto e de braços abertos para seguirmos nessa luta”, finaliza.

 

 

 

 

 

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