Enfrentar a violência contra a criança é uma luta de todo profissional de saúde

A violência contra a criança e o adolescente é muito mais do que um problema apenas da família. Hoje, ela se configura como um problema mundial de saúde pública e, como tal, merece a atenção dos profissionais de saúde. O assunto foi tema de conferência proferida no último dia do 12º Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem (CBCENF), pela Profa. Dra. Maria de Jesus Castro Souza Harada, membro do núcleo de investigação sobre a violência contra a criança e adolescente da Sociedade Brasileira de Pediatria e assessora técnica do COREN-SP.

A professora apresentou dados do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde que reforçam a necessidade de preocupação e envolvimento das categorias profissionais da saúde na questão. No mundo, a cada minuto, doze crianças menores de 14 anos são vítimas de violência. A cada hora, uma criança morre em decorrência de atos violentos.

Foram abordados também os possíveis fatores que podem gerar um ambiente predisponível à violência contra a criança e adolescente, como a cultura do castigo físico como prática pedagógica, a baixa escolaridade da família, o uso de álcool e drogas pelos pais, entre outros. Mas a professora alertou os participantes da palestra que a violência contra crianças e adolescentes não escolhe classe social – ela está presente em todas as camadas da sociedade.

Como reconhecer e identificar casos suspeitos

Crianças e adolescentes vítimas de violência nunca chegam a um serviço de emergência identificadas como tal. A família sempre relata alguma situação em que a criança foi vítima de trauma – uma queda, um irmão ou amigo que bateu. Mas, segundo estudos apresentados pela palestrante, 10% dos casos relatados de trauma são, na verdade, causados por violência física.

“Nós, profissionais de enfermagem e de saúde em geral, não somos treinados, em nossa formação, para reconhecermos os sinais da violência. E deixarmos passar impunes tais situações é expormos a vítima a maiores riscos.” Maria de Jesus relata que a recidiva é alta, em torno de 60% e, deste percentual, 5% resultam em óbito.

Embora a identificação de crianças vítimas de violência seja um assunto complexo, existem indícios que podem e devem ser observados por todos os profissionais que prestam atendimento a este paciente. “A lesão está de acordo com o fato causador informado pela família? A criança demorou a ser levada ao serviço de emergência, após a lesão? A postura da família está adequada à gravidade do fato?”

Também é importante observar o comportamento da criança, como demonstração de tristeza, apatia, sonolência, atitude de defesa. Indícios físicos, como desnutrição, atraso no desenvolvimento, hematomas, escoriações, queimaduras também são de grande importância. Também levantam suspeitas as fraturas múltiplas.

“Profissionais de enfermagem não são representantes da Justiça”

Por mais que situações de violência contra crianças e adolescentes causem impacto nos profissionais responsáveis pelo atendimento, existem comportamento e atitudes que devem ser evitados. “Perguntar diretamente se algum familiar foi o causador da lesão, demonstrar sentimentos de raiva ou desprezo, insistir em confrontar dados contraditórios, entre outros, são atribuições da Justiça, e não nossas. Nós não temos o direito de querer atuar como Poder Judiciário, detetives ou policiais”, alerta Maria de Jesus.

Enfrentamento

Crianças e adolescentes vítimas de violência, seja ela física, sexual, psicológica ou abandono, sofrem repercussões deste fato por toda a sua vida. Mas, segundo Maria de Jesus Harada, embora o Estatuto da Criança e do Adolescente seja um documento completo e complexo, ainda não conseguiu ser plenamente aplicado na prática. “Ainda não está havendo um total enfrentamento da questão do combate à violência, nem pela universidade e nem pela sociedade”.
Neste sentido, o COFEN e o COREN-SP têm trabalhado a questão, cooperando para uma reflexão da enfermagem e da sociedade sobre o tema.