Artigo: Aos olhos de hoje, de quem será o olhar do futuro no processo de cuidar?

No dia 26 de agosto, a chefe técnica da subseção de São José do Rio Preto do Coren-SP, Ligiani Fossaluza Meirelles, publicou uma reflexão sobre o papel social do profissional de enfermagem durante a atual pandemia. 

Em seu texto, ela afirma a necessidade urgente de melhorias nas condições de trabalho desses profissionais e de valorização para a categoria. “Precisamos refletir o futuro da enfermagem, quem serão os profissionais do futuro? Quantos jovens escolherão essa profissão com base no que a enfermagem está enfrentando hoje, e na vida que conseguem proporcionar aos seus familiares atualmente?”, reflete Ligiani em sua publicação. 

Ela explicou que a grande motivação em escrever esse texto foi levar ao conhecimento do público aquilo que ela e as fiscais têm encontrado durante as inspeções do Coren-SP. “Quis mostrar o ponto de vista de quando se acolhe o enfrentamento vivenciado pelos nossos colegas de profissão. Impossível não refletir sobre quem irá compor a enfermagem nos próximos anos e qual a motivação dessas pessoas para escolherem essa profissão. O mundo precisa se atentar a essa questão para que daqui alguns anos ainda tenhamos milhares de pessoas querendo escolher a enfermagem como profissão”, conta. 

Confira abaixo o artigo na íntegra:

Aos olhos de hoje, de quem será o olhar do futuro no processo de cuidar?

Atuando com a fiscalização do exercício profissional de enfermagem há mais de 12 anos, posso dizer que já tive contato com diversos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem durante o exercício de sua profissão. São grandes lutadores pelo seu espaço no cuidado ao paciente, com garra e amor à profissão, mas que em alguns momentos sentem o peso da desvalorização da profissão, seja por questão salarial, condições de trabalho, entre outras situações que nos são reportadas.

Durante esse período de pandemia, nas inspeções, temos presenciado esses profissionais trabalhando arduamente, cansados, muitos com duplo vínculo empregatício, cumprindo jornadas extensas para poder cobrir colegas que estão afastados, sofrendo a perda de amigos e familiares e sem tempo para viver o luto, mas acima de tudo, mantendo a fé e a garra pela sua profissão.

A equipe precisa agir rapidamente, adequar fluxos para atender às novas normativas, buscar a motivação para manter o pique de trabalho e contagiar os demais colegas de forma positiva, em meio a tantas turbulências. Um contexto que faz parte do dia a dia desses profissionais.

Ligiani Meirelles (à esquerda), chefe técnica da subseção de São José do Rio Preto, durante uma ação da fiscalização do Coren-SP

Com toda paramentação que o momento requer os olhos parecem destacar ainda mais os seus sentimentos. Tenho visto olhares muitas vezes assustados com tudo que estão vivenciando, temerosos pelo que pode estar por vir e saudosos pelo amigo que jamais estará no plantão novamente. Olhares que temem pela sua própria saúde, pela saúde dos colegas de equipe, dos pacientes, e ainda precisam lidar com a cautela em sua desparamentação, zelando também por seus familiares e amigos.  Também há olhares que conseguem traduzir a calma, a serenidade e a esperança; e outros que utilizam a maquiagem para mostrar que ali também há graciosidade e leveza.

E eles estão na linha de frente por todos nós, juntamente com os demais membros da equipe de saúde, enfrentando todas as suas angustias, dando diariamente o melhor de si, cada um à sua maneira.

Espero que a sociedade valorize cada um desses profissionais com muito respeito a todo esforço realizado, assim como os gestores e governantes através de condições dignas de trabalho e reconhecimento financeiro, para que a nova geração veja na enfermagem um campo de trabalho promissor, que poderá trazer a satisfação profissional e o retorno financeiro desejado, assim como vemos em tantas outras profissões; afinal vivemos em uma sociedade capitalista.

Precisamos refletir o futuro da enfermagem, quem serão os profissionais do futuro? Quantos jovens escolherão essa profissão com base no que a enfermagem está enfrentando hoje, e na vida que conseguem proporcionar aos seus familiares atualmente? Quantos jovens de hoje desejarão em alguns anos ser um profissional de enfermagem por carreira e pelo que o mercado tem para lhes oferecer?

Dados mais recentes do Conselho Federal de Enfermagem apontam mais de 2.300.000 profissionais de enfermagem no Brasil, e sabemos que esse número ainda não é suficiente para atender todas as demandas do nosso país, repleto de diversidades.

Estamos na luta sempre em busca de uma enfermagem bem dimensionada para o atendimento à população e que possa contar com o índice de segurança técnica, afinal nunca saberemos o que pode estar por vir. Zelamos para tenham o amparo legal de suas ações, para que recebam as atualizações e equipamentos de proteção individual  necessários ao exercício de sua profissão.

Nunca foi tão evidente o quanto precisamos de uma enfermagem fortalecida. A situação de pandemia imposta pela Covid-19 nos faz refletir sobre o futuro dos profissionais enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que temos atuando nesse enfrentamento, mas também acerca de quem estará à frente do cuidar nos próximos anos. É preciso o desenvolvimento desta reflexão o quanto antes, visando as atitudes que serão necessárias, pois o novo pode chegar a qualquer momento. E o ano de 2020 é um grande exemplo disso.