Cerca de 30% das mulheres em idade fértil sofrem violência de gênero

O Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (Cemicamp) divulgou no final de março a versão final do relatório Perfil do atendimento à violência sexual no Brasil, resultado de um projeto desenvolvido em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Segundo o documento, cerca de 30% das mulheres em idade fértil, sofrem violência de gênero. Entre as consequências mais sérias estão a gravidez não desejada, a aquisição de doenças sexualmente transmissíveis, especialmente o HIV, e traumas psíquicos que podem ser graves e permanentes.

Violência de gênero

Qualquer ato de violência de gênero que resulta ou poderia resultar em dano físico, sexual ou psicológico, ou ainda em sofrimento, para as mulheres, incluindo também a ameaça de praticar tais atos, a coerção e a privação da liberdade, ocorrendo tanto em público como na vida privada.

Declaração para Eliminação da Violência contra as Mulheres, apresentada pela Organização das Nações Unidas em 1993

O relatório, que consolida dados obtidos juntos a unidades de saúde e secretariais municipais de saúde até o ano de 2006, aponta ainda que a gravidez resultante de estupro é quase sempre rejeitada pela mulher e, portanto, frequentemente termina em aborto. Estima-se ainda que o risco de contrair uma doença sexualmente traqnsmissível em um episódio de violência sexual é de 4 a 30%.

As consequências psicológicas incluem depressão, fobias, ansiedade, uso de drogas ilícitas, tentativa de suicídio e as chamadas síndrome de estresse pós-traumático ou síndrome do trauma do estupro. Adicionalmente, Mulheres com história de violência sexual têm maior incidência de alterações menstruais, dor pélvica crônica, dispareunia e disfunções sexuais, do que aquelas que nunca sofreram esse tipo de violência.

“Ainda não se dispõem de informações mais atualizadas com abrangência nacional. Em que pesem as suas limitações temporais, entendemos que os resultados podem ser lidos como indicadores de uma realidade que está em mudança constante, felizmente no sentido positivo. Ainda falta muito para poder garantir às mulheres que sofrem violência sexual um atendimento integral, de acordo com as políticas públicas atualmente em vigor”, afirma Maria José Martins Duarte Osis, pesquisadora do Cemicamp.

Baixe o arquivo do relatório na íntegra, em pdf, aqui.

Debate de quase duas décadas

Desde 1996 o Cemicamp organiza fóruns de atendimento integral à mulher vítima de violência sexual em conjunto com Ministério da Saúde, a Febrasgo), a Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e outras organizações feministas não governamentais. Os fóruns, inicialmente destinados a debater o aborto dentro da lei nos hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde em todo o Brasil, identificaram a necessidade de reavaliar o conceito de atendimento integral a mulheres vítimas de violência sexual.

O direito a uma vida sexual satisfatória livre de violência, coerção ou risco de gravidez não desejada e de adquirir doença é um dos direitos sexuais e reprodutivos mais básicos da mulher.

Segundo a pesquisa do Cemicamp, em 1997 havia três hospitais para este tipo de atendimento. Em 2002 este número subiu para aproximadamente 250, sendo que em 44 deles praticavam o aborto previsto em lei. “Todos esses esforços se justificam devido à elevada frequência e às graves consequências da violência de gênero e, particularmente, da violência sexual”.

O documento, publicado apenas este ano, conclui ainda que “o conceito de que é preciso oferecer atendimento de emergência às mulheres que sofrem violência sexual está amplamente difundido no Brasil, uma vez que mais de 80% dos municípios declararam ter serviços de saúde que prestam esse atendimento. Proporção semelhante dos serviços contatados confirmaram dar esse atendimento, porém, apenas 34% desses serviços tinham protocolo de atendimento, 15% ministravam todos os medicamentos e 14% realizavam todos os exames determinados pelas normas técnicas vigentes”. O relatório ainda aponta:

  • As principais justificativas dos hospitais e prontos-socorros que não ministravam a medicação necessária foi a falta dos medicamentos e a falta de decisão das Secretaria Municipal de Saúde. Em muitas destas SMS, evidenciou-se grande desinformação sobre o atendimento a mulheres vítimas de violência sexual nos serviços públicos de saúde dos respectivos municípios.
  • Setenta por cento dos hospitais e prontos-socorros declararam realizar interrupção da gestação em pelo menos um dos casos considerados legais, porém, apenas 11% haviam feito, pelo menos, uma interrupção nos 10-14 últimos meses antes da pesquisa. Em 23 estados e no Distrito Federal havia pelo menos um hospital ou pronto-socorro que realizara, no mínimo, uma interrupção nesse período.
  • Evidenciou-se enorme desconhecimento sobre a documentação necessária para proceder à interrupção da gestação nos casos considerados legais. Em vista destes resultados, fica evidente a urgência de aprofundar os motivos pelos quais os serviços têm tantas dificuldades em oferecer atendimento e quais intervenções seriam necessárias para vencer essas barreiras e corrigir a desinformação que se manifesta nos resultados deste estudo. Estudos qualitativos complementares cumpririam com este objetivo.

 

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Ilustração: Vassiliki Koutsothanasi, reproduzida sob licença Creative Commons.

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