No Dia da Mulher, Coren-SP divulga sondagem e debate situações de vulnerabilidade
Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, o Coren-SP realizou o webinar “Ser Mulher na Enfermagem”, transmitido ao vivo nesta segunda-feira (8/3) no canal do YouTube. Mediada pela conselheira Ana Paula Guarnieri, a atividade marcou o lançamento dos resultados da sondagem “Ser Mulher na Enfermagem”, que reflete a realidade atual das mulheres na enfermagem sob diversos aspectos como jornadas de trabalho, salários e situações de vulnerabilidade.
“A maioria dos profissionais de enfermagem são mulheres que enfrentam os desafios do século XXI, além dos desafios próprios da nossa profissão”, destacou a vice-presidente do Coren-SP, Erica Chagas, na abertura. “São questões como jornada dupla com trabalhos domésticos, desafios com os filhos e questões que trazem sobrecarga a essas mulheres”, destacou Erica, que frisou a importância da sondagem como elemento para a orientação de ações futuras do conselho: “Os números que veremos hoje trazem a possibilidade de buscarmos parcerias e trabalharmos programas de acolhimento e orientação”, concluiu.
O presidente do Coren-SP, James Francisco dos Santos, também participou da abertura oficial do webinar. Em sua fala, ele destacou o agravamento que a pandemia vem causando nas vidas pessoas e profissionais das enfermeiras, obstetrizes, técnicas e auxiliares de enfermagem: “Vivenciar a pandemia dentro do ambiente feminino se torna muito mais desgastante. Ficamos extremamente agradecidos a cada uma das profissionais de enfermagem que se empenham dia após dia a salvar vidas e trabalham em condições que sabemos que nem sempre são adequadas. São situações difíceis como a falta de EPIs, longas jornadas e ausência de piso salarial. Enquanto Coren-SP, nós vamos continuar trabalhando para que as mulheres de nossa profissão sejam muito valorizadas”, afirmou James.
Em seguida, a conselheira Ana Paula Guarnieri passou a palavra ao segundo-secretário do Coren-SP, Mauro Antônio Pires Dias da Silva, que apresentou slides detalhando os resultados do levantamento. “Essa sondagem consolida, com números, questões que intuitivamente nós já sabíamos, mas que é importante termos demonstrado pelos dados”, explicou Mauro.
A sondagem foi respondida por 11985 mulheres. Dentre os resultados, destacam-se:
- 74,8% das participantes ganham até 4 salários mínimos por mês
- 68,9% das participantes são responsáveis pela renda familiar
- 9,9% das participantes realizam a jornada de trabalho semanal de 30 horas, preconizada pela OMS
- 96,6% das participantes desempenham as tarefas domésticas de seu lar
- 38,1% das participantes já sofreram algum tipo de violência doméstica por serem mulheres
- Dessas, 52,4% sentiram que a violência em casa e no trabalho se agravaram durante a pandemia
- 30,4% das participantes já sofreram algum tipo de violência no trabalho por serem mulheres
- Elas sofreram violência psicológica (88,9%), moral (41%), física (11,4%), sexual (7,2%) e patrimonial (4,9%)
- Também nestes casos, pacientes ou acompanhantes foram responsáveis por 62,3% das incidências, seguidos por superior hierárquico (52,3%) e colega de trabalho da enfermagem (36,4%), geralmente homens (80,2% das incidências)
- Além disso, 75,1% destas afirmam terem tido impactos na saúde física e/ou psicológica
Dentre as ações pretendidas após as sondagens, destacam-se:
- Estabelecer ações de favorecimento da qualidade de vida da mulher profissional de enfermagem, dentro do programa “Ser Mulher na Enfermagem”
- Intensificar mobilização junto à sociedade para a aprovação de leis que versem sobre o piso salarial e sobre a jornada de 30 horas semanais (preconizada pela Organização Mundial de Saúde), para favorecer a qualidade de vida dos profissionais de enfermagem e, consequentemente, da assistência prestada
- Realizar parcerias com instituições e o poder público para prevenção e combate às variadas formas de violência contra a mulher
- Promover campanhas de conscientização sobre os fluxos de atendimento para mulheres vítimas de agressões
Mesa de debates “Desafios na vida, no trabalho e na sociedade”
Maitê Schneider, cofundadora da Transempregos – Consultora de Inclusão & Diversidade e embaixadora da Rede Mulher Empreendedora, foi a primeira a falar. O tema abordado por ela foi “Os desafios enfrentados por pessoas trans no mercado de trabalho”, com foco nas mulheres trans.
Maitê tratou com especial atenção a questão da violência sofrida por mulheres. “Muitas vezes não entendemos o que é violência. Nos acostumamos com certas formas de violência e a tratamos como natural”, afirmou, frisando que toda forma de diversidade deve ser respeitada. “A diversidade é a maior igualdade que possuímos como seres humanos. Duas pessoas diferentes terão cada qual sua experiência particular de construção de identidade. Isso depende da sociedade, do local de nascimento. Cada uma delas terá referência completamente diferentes e próprias sobre o que é ser mulher”, acrescentou.
Maitê também humanizou os números relativos às pessoas que sofreram violência: “Essas pessoas que os dados mostram podem ser pessoas próximas de nós. Números e porcentagens são importantes, mas mais do que isso, quando damos um rosto a essas pessoas, percebemos que pode ser alguém próximo de nós e podemos começar a ter empatia e fazer a diferença”, concluiu.
A segunda palestrante a se apresentar foi Alva Helena de Almeida, enfermeira mestre em saúde pública, doutora em ciências e integrante da Soweto Organização Negra e da Articulação Nacional de Enfermagem Negra (ANEN).
Alva tratou do tema “O apagamento histórico e as condições da mulher negra na enfermagem”. A profissional trouxe alguns aspectos históricos que em sua opinião têm contribuído para um apagamento social da mulher negra na enfermagem. “Historicamente descobrimos os bloqueios que as populações tradicionais, ou seja, negros e indígenas, enfrentam. Ser mulher negra é assumir um constante enfentamento ao apagamento dos conhecimentos desse povo e enfrentar nossa invisibilidade enquanto sujeitos e profissionais que constroem trajetórias dentro do sistema de saúde”, afirmou.
A enfermeira também destacou que a maior parte das profissionais de enfermagem negras estão no nível médio. “É uma parcela majoritária das profissionais de enfermagem que desempenham suas funções de uma forma invisivel. A maioria está no vível médio, trabalha em mais de um vínculo, são chefes de família e se expõem a mais riscos ocupacionais e de contaminação, pois quanto menor é a ocupação dessa profissional na estrutura da unidade de saúde, mais ela está sujeita a riscos”, acrescentou.
O tema “O papel da enfermagem na saúde reprodutiva da mulher” foi abordado por Marcela Zanatta, enfermeira especialista em atendimento pré-hospitalar e obstetrícia e que atua no serviço de educação continuada do Hospital da Mulher da Unicamp.
A apresentação de Marcela trouxe dados impactantes retirados de pesquisas e apresentados em importantes publicações como a revista The Lancet. Esses dados corroboram a ideia de que quanto mais existem profissionais de enfermagem trabalhando diretamente em partos de baixo risco, menos há adversidades nesses partos. “A enfermagem está associada ao cuidado materno e neonatal de alta qualidade. Todos os anos temos no mundo cerca de 140 milhões de partos de baixo risco, portanto, partos que por definição podem ser de competência do enfermeiro obstetra, da obstetriz e mesmo do enfermeiro da atenção básica”, disse. Os estudos podem ser acessados nos links a seguir: Midwifery and quality care: fi ndings from a new evidenceinformed framework for maternal and newborn care, Improvement of maternal and newborn health through midwifery e The projected eff ect of scaling up midwifery.
Ao fim de sua fala, Marcela alertou para a realidade indicada pelos níveis de morte materna em uma sociedade: “A morte materna é o indicador mais sensível das prioridades que um dado sistema de saúde tem em proteger mulheres. E o impacto do trabalho da enfermagem nesses indicadofes, segundo os estudos, é muito grande. A enfermagem foi capaz de reduzir a mortalidade materna em quase 80% em algumas das regiões estudadas. As mães não estão morrendo por conta de doenças intratáveis. Elas estão morrem porque nossas sociedades ainda não decidiram que suas vidas valem a pena serem salvas”, encerrou.
Verônica Martz, enfermeira e representante do coletivo Não Me Kahlo, que atua em prol da autonomia feminina, foi a próxima palestrante, trazendo à pauta o tema “Autonomia e igualdade de direitos: desafios para as mulheres da enfermagem”.
Verônica afirmou que a enfermagem, profissão composta majoritariamente por mulheres, necessita trabalhar o desenvolvimento de sua própria autonomia. “Percebemos pelo histórico da enfermagem, que no passado fundamentava-se na questão do cuidar por caridade e sem nenhum tipo de formação específica, que a autonomia foi e continua sendo uma questão a ser batalhada. Até hoje temo que constantemente mostrar que a enfermagem é uma ciência clínica, que nos temos competência científica”, frisou.
A próxima palestrante foi Marisa Sanematsu, diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, organização de referência nos campos dos direitos das mulheres e comunicação. Marisa falou sobre “Violência e assédio contra mulheres no trabalho”. Em sua fala, ela destacou a Convenção nº 190 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, ligada à Organização das Nações Unidas. Essa Convenção inclui acordos sobre violência e assédio n trabalho, insclusive quando isso é baseado no gênero. Até agora a convenção foi ratificada por poucos países: Uruguai, Fiji, Namíbia, Filipinas, Argentina e Equador. Marisa destacou a necessidade de uma mobilização da sociedade brasileira para a adesão do país à Convenção.
“É consenso absoluto que devem ser realizadas ações de combate e conscientização contra o assédio e discriminação contra as mulheres. É consenso que as empresas devem fazer ações no sentido de proporcionar canais de denúncia que sejam anônimos e independentes das empresas para que esses casos sejam tratados. As empresas devem fornecer apoio psicológico aos funcionários e ter uma política clara de responsabilização contra qualquer tipo de agressão no ambiente de trabalho”, disse.
Marisa também citou uma pesquisa recente do Instituto Patrícia Galvão, que constatou que 76% das mulheres já sofreram violência e assédio no trabalho.
A discussão foi concluída com a fala de Margarete Pedroso, procuradora do estado de São Paulo e integrante do Conselho Estadual da Condição Feminina. O tema abordado foi “O acesso das mulheres às políticas públicas estaduais”.
Margarete chamou a atenção para o fato de as políticas públicas serem sempre atreladas a projetos dos governos. “Temos assistido a retrocessos nas políticas públicas, inclusive tentativas permanentes de retrocesso na própria legislação, o que poderá nos trazer um futuro muito triste”, disse.
Ela deu algumas sugestões sobre como a sociedade poderia se comportar para evitar tais retrocessos: “O importante é não baixarmos a guarda e ficarmos muito atentos aos retrocessos que estão a caminho em termos de legislação, principalmente no âmbito federal, seja na questão da saúde ou no combate à violência contra a mulher. Carregamos uma herança do passado que se reflete ainda hoje no papel das mulheres e na forma como se constroem as leis em nossa sociedade”, finalizou.
Na conclusão das discussões, a conselheira Ana Paula Guarnieri afirmou que “o poder das pessoas vem do conhecimento. Precisamos acabar com essa cultura do medo e realmente brigar pelas transformações sociais que desejamos. Como Coren-SP, esperamos ter lançado uma semente que germine e que a gente consiga fazer novas interações no futuro com novos avanços”.