Profissionais de SP comentam retrocessos da proibição de inserção de DIU pela enfermagem
No dia 18 de dezembro de 2019, o Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde emitiu a Nota Técnica nº 38/2019-DAPES/SAPS/MS, revogando algumas outras Notas Técnicas do mesmo Departamento.
Entre as Notas revogadas, está a de nº 5/2018-CGSMU/DAPES/SAS/MS, que permitia a colocação de DIU (Dispositivo Intrauterino e Contraceptivo) por profissionais enfermeiros. A Nota constava como anexo do Manual Técnico para Profissionais de Saúde, publicado pelo Ministério em 2018, que em sua página 22, dizia sobre o DIU:
“A inserção pode ser feita por profissional médica(o) ou enfermeira(o) treinada(o) e não deve ser uma prática exclusiva do especialista ou vinculada à realização de exames complementares, como ultrassonografia de rotina”.
Na prática, desde 19 de dezembro de 2019, o Ministério da Saúde passou a vetar que esse procedimento seja realizado por enfermeiros no âmbito da Atenção Básica e das maternidades.
Apesar do veto recente do Ministério, a prática comprova a capacidade dos profissionais de enfermagem, sejam enfermeiros ou obstetrizes, na realização do procedimento, que até hoje não gerou sequer um único processo ético no Coren-SP.
Além disso, artigo publicado em 2017 na Revista da Escola de Enfermagem da USP, a partir de um estudo que visa mostrar uma visão geral do acesso ao DIU, mostra que a limitação da atuação do enfermeiro é um dos fatores limitantes do acesso da população a esse método contraceptivo no SUS. O texto informa que “foram identificadas barreiras organizacionais relativas à ausência ou não utilização de protocolos para disponibilização e inserção do DIU; barreiras organizacionais, como a não disponibilização do método ou o excesso nos critérios – muitas vezes, desnecessários – estabelecidos pelos serviços de saúde para disponibilizá-lo; barreiras organizacionais associadas à inserção do DIU, tais como limitação da atuação do enfermeiro e agendamento prévio para realização do procedimento, e a adoção de determinadas condições clínicas da mulher que podem impossibilitar a inserção do DIU, condições sem respaldo nas mais recentes evidências científicas. As barreiras organizacionais são um dos muitos motivos para que as mulheres não acessem o DIU. Portanto, mais esforços devem ser empreendidos para que sejam removidas e as diretrizes sejam respeitadas”.
A obstetriz Francine Even de Sousa Cavalieri, que trabalha na Casa Angela, na capital, é uma das profissionais de enfermagem habilitadas a colocar o DIU, após ter passado por um curso de formação específico.
“Acredito que somos capacitados para colocar o DIU. Como ocorre com qualquer outro procedimento de enfermagem, se houver formação adequada e protocolo, o procedimento fica muito seguro”, afirma a obstetriz, destacando que o índice de complicações do DIu é baixíssimo: em torno de uma para cada mil procedimentos.
Ela explica que o trabalho na área da saúde da mulher normalmente é feito de maneira integral e humanizada, o que reduz ainda mais os possíveis riscos envolvidos em qualquer procedimento. “Fazemos uma triagem das mulheres antes de inserir o DIU. Não realizamos o procedimento em todas elas. Algumas são encaminhadas para o médico. Já nas mulheres saudáveis, de baixo risco e sem nenhuma alteração anatômica no útero, nós mesmas fazemos o procedimento”, diz.
Fabiana Ramos de Souza, de 22 anos, é um exemplo de paciente que teve o DIU colocado por Francine e por outra obstetriz na Casa Angela há cerca de um ano.
O procedimento foi realizado de forma tão tranquila que a jovem costuma recomendar as profissionais de enfermagem para amigas que também querem fazer uso do contraceptivo. “O procedimento foi muito rápido, com tudo muito limpo e organizado. As profissionais são sempre muito atenciosas e me dão suporte sempre que surge uma dúvida”, diz.
Após a colocação do DIU, Fabiana passa por acompanhamentos semestrais, feitos pelas profissionais de enfermagem e por médico ginecologista, prevenindo-se de possíveis complicações que o dispositivo possa trazer.
A saúde da mulher acima do corporativismo
A enfermeira Ligiane Karla dos Santos, Responsável Técnica (RT) do Ambulatório de Saúde da Mulher do Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” (Cejam), na capital, trabalha com a inserção, o manejo e a remoção do DIU há cerca de dois anos. Além disso, ela ministra treinamentos sobre o tema para outros profissionais de saúde.
Ela explica que faltam profissionais devidamente habilitados para a inserção, o manejo e a remoção do DIU e que a enfermagem pode cumprir um papel importante ao ajudar a suprir essa carência. “Temos essa responsabilidade, esse plano de ampliar o acesso das mulheres aos métodos contraceptivos. Quando oferecemos um método contraceptivo de longa permanência para aquela mulher de 14 ou 15 anos, isso aumenta a perspectiva de vida dela em relação a estudo, a se colocar no mercado de trabalho”.
Ligiane conta que atualmente existem várias barreiras que dificultam o acesso ao DIU e que muitas vezes as mulheres passam por verdadeiras peregrinações antes de conseguir a colocação do dispositivo. A proibição da realização do procedimento por profissionais de enfermagem seria mais uma dessas barreiras. “Nossa ideia é que essa mulher chegue à atenção básica e consiga realizar essa inserção. Atualmente existe exigência de idade mínima, existência de gestações anteriores e o mito de que só se realiza a inserção se a mulher estiver menstruada. Temos que mostrar que não é necessária tanta burocracia, sendo facilitadores do método e não dificultadores. Muitas vezes ficamos em uma briga de categorias e nos esquecemos de pensar na mulher”, finaliza.