Carta aberta: o PL 435/2019 da deputada Janaina Paschoal e a cultura das cesarianas

O Coren-SP vem a público manifestar sua preocupação frente à tramitação de urgência na Alesp do Projeto de Lei (PL) 435/2019, de autoria da deputada estadual Janaina Paschoal, que versa sobre a possibilidade da gestante “optar pelo parto cesariano, a partir da trigésima nona semana de gestação, bem como a analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal”.

O PL apresentado está em desacordo com as 56 recomendações emitidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgadas em 2018, que estabelecem padrões de atendimento para reduzir as intervenções desnecessárias no parto.

Nas últimas décadas, houve aumento significativo das taxas de cesariana em todo o mundo, sem comprovação de benefícios significativos para a saúde das mulheres e de seus bebês.

A OMS considera que a taxa ideal de cesáreas seria entre 10% a 15% dos partos. No entanto, a América Latina e o Caribe possuem as mais altas taxas (40,5%), sendo que o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo (55,6%), perdendo apenas para a República Dominicana (56%).

Para mudar essa realidade e favorecer a saúde de mães e dos seus bebês, o Ministério da Saúde (MS) vem implementando políticas públicas que ampliam a assistência e garantem um atendimento adequado às parturientes. Um desses projetos é o Parto Cuidadoso, adotado em 634 maternidades do país, inspirado no projeto Parto Adequado, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que teve participação dos hospitais Israelita Albert Einstein (SP), Sophia Feldman (MG) e Agamenon Magalhães (PE).

Além disso, o Ministério da Saúde está investindo na capacitação de enfermeiros obstétricos e obstetrizes para atenção ao parto adequado, além de promover ações educativas na Atenção Básica.

Nesse contexto, os argumentos apresentados pelo PL 435/2019 estimulam perigosamente o aumento de partos cesarianos no Brasil, contrariando todos os esforços da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde para trazer de volta a concepção do parto como processo fisiológico e não um ato cirúrgico.

Se a pretensão genuína do projeto for garantir a autonomia da mulher e o direito ao nascimento seguro, então que se batalhe para o atendimento digno e humanizado no parto. Para tanto, deve-se redesenhar os modelos assistenciais, capacitar os profissionais de saúde e desenvolver mecanismos indutores de qualidades dos serviços, além de adequar e ampliar a rede de cuidados, a fim de facilitar o acesso das gestantes ao pré-natal de qualidade e à própria unidade de saúde, evitando-se peregrinações desnecessárias na hora do nascimento.

Do mesmo modo, deve-se garantir o direito à analgesia de parto, a ampliação das casas de parto no país e o fortalecimento da participação da equipe multidisciplinar, contendo enfermeiros obstétricos e obstetrizes, desde a prescrição na admissão das parturientes até o pós-parto.

O Coren-SP vem atuando pelas boas práticas ao parto e nascimento, com participação ativa nos debates realizados nas audiências públicas da Ação Civil Pública (processo n° 0017488-30.2010.4.03.6100) para redução do número de cesarianas e adoção de práticas humanizadoras do nascimento no Sistema Suplementar, além de atuar em conjunto com o Hospital Albert Einstein no projeto Qualifica Parto.

Nesse contexto, o Coren-SP se coloca à disposição de todos os deputados estaduais para dialogar sobre os riscos de uma aprovação emergencial do PL 435/2019, que não apresenta amparo e embasamento científico e que pode causar impactos diretos na saúde da mulher e do bebê, além de prejudicar a organização do sistema público de saúde.

Assim, o Conselho sugere que o projeto siga a tramitação ordinária e seja encaminhado para a Comissão de Saúde, bem como para a Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres, para que possa haver um diálogo mais profundo sobre a questão do parto no Estado de São Paulo, alinhado com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde.