Estudo inédito de enfermeira estima prevalência de hepatites B e C em manicures e pedicures

Em 2006, a enfermeira Andreia Schunck começou sua pesquisa de mestrado. Seu objetivo, medir a prevalência de hepatites B e C em manicures e pedicures, foi alcançado ao fim de 1400 horas de pesquisa de campo e mais alguns meses de análise laboratorial, feita pela Secretaria da Saúde de São Paulo, e estatística, feita por pesquisadora do Instituto de Matemática e Estatística (IME-USP).

A banca de qualificação aprovou a pesquisa não como peça de mestrado, mas como de doutorado. A tese, publicada em 2009, se baseia em 100 entrevistas e análises de sangue de manicures e pedicures das 5 regiões do Município de São Paulo, selecionadas através de sorteio de acordo com metodologia do Instituto Datafolha. É uma pesquisa inédita no Brasil e no mundo.

Os resultados apontam a incidência de 10% de hepatite B nas profissionais, o dobro da encontrada na população em geral. O resultado independe de elas atenderem em estabelecimentos de shopping ou de rua. “Há forte indício de que a profissão contribui como fator de risco”, afirma Andreia, “o vírus da hepatite B é um vírus extremamente resistente. Sobrevive sete dias à temperatura ambiente e é dez vezes mais infeccioso que o vírus da AIDS”.

Os erros
Além da coleta de sangue, a pesquisa incluiu um questionário de 123 questões sobre as práticas e sobre o perfil de cada profissional. Comparando o que as profissionais declaravam e o que realmente faziam, Andréia notou que não há treinamento para desinfecção de material e predomina a falta de conhecimento sobre a periculosidade de materiais perfuro cortantes.

Elas não usam equipamento de proteção individual. Apenas 5% usaram luvas. Em 93% dos casos, usavam a mesma toalha o dia todo para atender todas as clientes. A mesma lixa também. 74% não estavam imunizadas contra a doença e 59% não sabiam que a vacina, que tem eficácia de 90% e é aplicada em três doses, está disponível gratuitamente no SUS. Nenhuma profissional lavou as mãos durante as visitas de Andreia. Na maioria dos lugares, não havia lavabo.

O hábito de retirar cutícula é um agravante do risco de contágio das hepatites. “É um hábito cultural típico do Brasil”, diz Andréia. “Retirando a cutícula, retira-se a proteção contra microorganismos. Além disso, há os cortes, que expõem a via sanguínea”.

Boas práticas
Antes de esterilizar os instrumentos na estufa ou autoclave, é indispensável lavá-los com água, sabão e escovinha. Nenhuma das 100 profissionais, de nenhuma região de São Paulo, fez a limpeza corretamente, ou seja, não houve esterilização de nenhum dos instrumentos.

A observação destas práticas foi possível porque Andréia não interferiu na rotina das voluntárias. Ela fez as 123 perguntas do questionário nos intervalos, pouco a pouco, entre um atendimento e outro. No final do dia, quando o salão fechava, Andréia dava as instruções dos procedimentos de segurança a cada uma das profissionais. “Elas querem ter conhecimento”, diz Andreia, “O problema é que elas têm certeza de que sabem, e falam com segurança para a cliente, que nem suspeitam do risco a que estão expostas”.

A pesquisa
Uma dificuldade extra para a pesquisa foi o fato de não haver trabalho anterior para comparação. A banca do Programa de Pós-graduação em Ciências da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo – CCD/SES-SP do Hospital Emilio Ribas levantou dúvidas sobre a possibilidade de realizar a pesquisa. O único trabalho sobre manicures e pedicures, composto apenas de aplicação de questionário, foi feito no Canadá em 2001 por Johnson. Houve recusa de 61% ao questionário.

Andréia teve recusa de apenas 4%. “As profissionais se sentiram valorizadas”, diz ela. Houve sorteios para selecionar quem participaria da pesquisa.

Todas as profissionais souberam do resultado de sua pesquisa e tiveram sua identidade preservada. Para aquelas em que foi constatada a hepatite, foi oferecido tratamento no próprio Instituto de Infectiologia Emilio Ribas.

A partir da publicação do trabalho em 2009, Andréia elaborou a cartilha do Ministério da Saúde para manicures e pedicures e deu muitas entrevistas. Participou inclusive de uma blitz do programa Fantástico da Globo, em que as mesmas condições de trabalho foram encontradas.

“Hoje eu vou a manicure e a pedicure, mas levo o meu kit personalizado, diz Andréia. “Faço consultoria a alguns salões que estão realmente preocupados. Os resultados estão sendo muito bons, porém é um processo longo. Eles estão bem próximos de ser salões que oferecem Beleza com Saúde”.

Dois anos depois de concluída a pesquisa, Andreia percebe que alguns raros salões estão tentando melhorar, mas, pela falta de informação e de capacitação, os salões continuam sendo foco de infecção, colocando em risco a saúde dos profissionais e dos clientes. A maioria dos salões de beleza são clandestinos e a atividade de manicure e de pedicure, por não ser regulamentada como profissão, não é controlada por normas de segurança.

“Na tese de doutorado, deixei uma sugestão de uma portaria de gabinete de manicures e de pedicures para o estado de São Paulo”, diz Andréia. Até o momento a portaria não foi regulamentada.