Enfermagem Forense: possibilidades para a profissão

Ainda pouco conhecida no Brasil, a enfermagem forense originou-se nos EUA, na década de 1990, e expandiu-se para outros países como Canadá, Austrália, Inglaterra, Japão, Peru, Coréia, Índia, Suécia e Itália. Recentemente Portugal passou a reconhecer esta especialidade e implantou cursos de pós-graduação na área. No Brasil ela ainda não é reconhecida pelo Conselho Federal de Enfermagem.

As enfermeiras Rita de Cássia Silva e Karen Beatriz Silva, formadas pela PUC-PR, atuam na área forense e trabalham para trazer a especialidade para o Brasil. Professora da PUC-PR e membro do comitê de implantação da lei Maria da Penha no Paraná, Rita é especialista em Metodologia da Assistência de Enfermagem, em Administração Hospitalar e em Bioética, além de mestre em Educação. Professora de Enfermagem na Keiser University, na Flórida – USA, Karen é especialista em Psiquiatria e Saúde Mental, mestre em Prática Avançada da Saúde do Adulto, mestre em Enfermagem Forense e doutoranda em Psicologia Geral.
Por e-mail, Rita e Karen concederam entrevista ao COREN-SP na qual falaram sobre a enfermagem forense, a atuação deste profissional e a especialização na área.

COREN-SP – O que é a enfermagem forense?
Rita de Cássia e Karen Silva – A enfermagem forense é a fusão da ciência da enfermagem com questões judiciais, ou seja, a aplicação da ciência da enfermagem aos aspectos forenses do cuidado da saúde.

Onde atua o enfermeiro forense?
As áreas de atuação do enfermeiro forense são inúmeras. Nas escolas, na comunidade, nos hospitais, especialmente no setor de emergência, nos centros de saúde, em instituições médico-legais, enfim, em qualquer lugar onde existam pessoas em situação de violência.

Nos países onde a especialidade é legalmente reconhecida, quais são as atividades do enfermeiro forense?
Na investigação clínica da morte o enfermeiro coleta evidências no corpo e no ambiente que indiquem a causa e mecanismo da morte. Nesses países, cabe ao enfermeiro forense o exame e tratamento de vítimas de estupro e de vítimas de violência doméstica, ele faz o exame físico com coleta de evidências, documentação completa da ocorrência e dos achados, preservação das evidências e tratamento físico e psicológico da vítima, além do encaminhamento para serviços especiais e tratamento médico quando necessário. Também coleta e preserva evidências nos ofensores. Já os enfermeiros psiquiatras forenses trabalham direto com as vítimas, com ofensores e com suas respectivas famílias.

O enfermeiro forense realiza algum tipo de trabalho preventivo?
A educação será sempre a maior arma contra a violência. Qualquer enfermeiro forense também está apto a realizar trabalho preventivo, educando crianças e adolescentes nas escolas, em instituições religiosas ou centros comunitários quanto a assuntos relacionados a violência física, emocional, moral e sexual. Neste caso, o trabalho também consiste na detecção de possíveis vítimas.

Como é a relação entre o enfermeiro forense e a vítima?
O enfermeiro forense estabelece uma relação de confiança com a vítima a qual chamamos de rapport e as vítimas sobreviventes da violência beneficiam-se com o relacionamento terapêutico com o enfermeiro. Para os indivíduos que foram a óbito o enfermeiro poderá ser sua última chance de elucidação para um laudo acurado da causa e do mecanismo da morte, atuando assim com a equipe de investigação.

O enfermeiro forense atua também como testemunha em julgamentos? Aspectos da legislação fazem parte da sua formação?
Sim, o enfermeiro forense é frequentemente chamado para depor em julgamentos se foi o examinador tanto da vítima quanto do ofensor. O enfermeiro forense pode também ser declarado expert witnesse, ou seja, testemunha especializada. A legislação local faz parte do treinamento do enfermeiro forense, pois é preciso saber o tipo de documentação apropriada de acordo com idade, gênero, etc. Por exemplo, se a vítima é menor de idade, não precisará do consentimento do adulto responsável para os procedimentos, mas o enfermeiro terá obrigação de comunicá-lo. Se o adulto responsável é o ofensor então será preciso comunicar às autoridades responsáveis.

Como deve ser a formação do enfermeiro forense? Quais aspectos são essenciais ao profissional?
Segundo a IAFN – International Assossiation of Forensic Nursing (Associação Internacional de Enfermeiros Forenses), o enfermeiro examinador de vítimas de estupro precisa de pelo menos dois anos de experiência na prática assistencial, em qualquer especialidade, além de 40 horas de treinamento técnico de coleta de evidências, fotos forenses, revisão de leis locais, revisão de literatura. A perícia de adultos também inclui no treinamento a prática supervisionada em mulheres voluntárias e mais a execução de dez exames ginecológicos supervisionados por um instrutor qualificado. No caso de peritos em crianças, é necessário um extenso conhecimento da anatomia, fisiologia e desenvolvimento psicológico da criança e pré-puberdade.
No caso de investigação clínica da morte, o curso também é de 40 horas e inclui auxílio de autópsias e um vasto conhecimento da anatomia e fisiologia humana e patologias. O curso também aborda aulas de balística, identificação de feridas por arma de fogo e arma branca, cortes, lacerações, hematomas, entre outros. Também são oferecidas aulas de entomologia forense, odontologia forense, antropologia forense, análise de DNA. Estas últimas servem somente para dar uma noção ao enfermeiro de qual achado indicaria a necessidade de ajuda de um profissional da área. Existem ainda cursos de mestrado, pós-mestrado e doutorado em Enfermagem Forense que preparam os enfermeiros na maioria das sub-especialidades.

Existe alguma previsão de implantação da especialização em enfermagem forense no país?
Aparentemente o campo de trabalho para enfermagem forense no Brasil precisa ser conquistado, pois algumas sub-especialidades do enfermeiro forense são executadas por outros profissionais. Em Curitiba, houve tentativas de implantação de enfermagem forense no currículo de graduação e pós-graduação em duas universidades, mas devido à falta de campo de trabalho, não foram levadas adiante. Porém, estudantes de enfermagem de todo o Brasil nos contatam quase diariamente pedindo indicações de literatura para trabalhos de conclusão de curso ou perguntando se há algum programa no país que ofereça essa especialidade para enfermeiros.