Carta aberta sobre a indenização em tempos de pandemia

O mundo sabe que a enfermagem é a profissão que está fazendo a diferença no combate à pandemia do novo coronavírus. Ainda que homenagens e falas de reconhecimento tenham arrefecido, a sociedade pode perceber que a enfermagem que passa 24 horas por dia, 7 dias por semana ao lado dos pacientes, seja nos momentos mais angustiantes do tratamento, na hora das tristes despedidas, mas também nos momentos da tão esperada alta.

O Observatório da Enfermagem do Cofen mostra que até o dia 3 de agosto de 2020, havia mais de 30.000 casos de profissionais contaminados no país, sendo que mais de 300 deles vieram a óbito. Só no estado de São Paulo, essa triste realidade se revela em mais de 5.000 profissionais contaminados e 53 falecimentos. Ou seja, é mais do que evidente que além de combatente, a enfermagem também é vítima da pandemia.

Neste mesmo dia, porém, o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, VETOU o projeto de lei 1826/2020, que “Dispõe sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), por terem trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19, ou realizado visitas domiciliares em determinado período de tempo, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de óbito; e altera a Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949”.

A decisão vai na contramão da tão necessária valorização dos profissionais de enfermagem. Vetar o projeto de lei que reconhece o esforço e a dedicação dos profissionais é um ataque não só aos mais de 2 milhões de profissionais de enfermagem do país (um quarto deles só no estado de São Paulo), mas sim à saúde brasileira. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) também já manifestou sua discordância em relação ao veto.

Os profissionais de enfermagem se desdobram, muitas vezes, em mais de um emprego para poderem contar com as condições financeiras básicas para seu sustento – só no estado de São Paulo, são mais de 60.000 pessoas com mais de uma inscrição ativa. Além disso, é importante ressaltar que 86% da enfermagem paulista é feminina, o que remete a mais uma jornada de trabalho doméstico. Profissionais de enfermagem que contam com tantas preocupações estão sujeitos a uma sobrecarga emocional que afeta sua saúde mental e que pode comprometer a segurança e a qualidade da assistência prestada à população.

O Coren-SP lançou no mês passado a campanha “Enfermagem Além dos Aplausos“, justamente para ressaltar à sociedade a importância do reconhecimento às lutas da categoria, como a jornada de 30 horas semanais, o piso salarial, a aposentadoria especial, o combate à violência e o favorecimento da saúde mental. Dentre as propostas da campanha, está a sensibilização das autoridades sobre a importância dessas conquistas, a partir de um abaixo-assinado que já conta com mais de 25.000 assinaturas.

Por isso, o Coren-SP conta com a revisão da medida, de maneira a reconhecer e a valorizar não só o trabalho árduo da enfermagem, mas também a vida de mais de 2 milhões de trabalhadores brasileiros.