Atendimento a múltiplas vítimas desafia raciocínio clínico do profissional

O socorro a múltiplas vítimas desafia não apenas o senso de proporção do profissional de saúde, mas também seu raciocínio clínico. Desenvolvido nos Estados Unidos na década de 80, e usado desde então mundialmente em socorro a vítimas de tsunamis, terremotos e guerras, o sistema de triagem START (Simple Triage and Rapid Treatment) é especialmente efetivo no atendimento a catástrofes, por se concentrar no número de pessoas.

De acordo com Marcelo Carvalho da Conceição, enfermeiro especializando em gestão de desastres e docente com atuação ligada a urgência e emergência, “você não pensa no paciente mais grave, você pensa na comunidade. Em um atendimento normal, alocamos todos os recursos no paciente mais grave. Esta dinâmica muda no atendimento a desastres. Você precisa aplicar seus recursos para salvar o maior número possível de vidas”.

START
O objetivo do START é concentrar os recursos de forma seletiva em vítimas que precisem de socorro com maior chance de sobrevida. No local são realizados somente os procedimentos de emergência indispensáveis para a manutenção da vida, de forma rápida, de modo estabilizar o quadro clínico da vítima e então encaminhá-la a um hospital, onde serão realizados os procedimentos definitivos, completando o socorro.

A classificação é feita em quatro cores (veja o quadro) e os parâmetros de classificação são simples, exatamente para rápida avaliação.

A primeira equipe que chega ao local da tragédia realiza uma rápida avaliação da situação e a comunica à central de regulação do SAMU. Às vezes esta avaliação, que é puramente visual, se mostra equivocada.

Treinamento
Uma catástrofe, ou acidente de massa, é dimensionada não pelo número absoluto de vítimas, mas pela relação entre número de vítimas e a capacidade de atendimento do município ou região. De acordo com Marcelo, “se acontece um acidente com dez pessoas em São Paulo, que tem 115 viaturas do Samu, não é acidente de massa, porque há uma grande capacidade de atendimento; se esse mesmo acidente acontecesse em uma cidade do interior com apenas uma ambulância, seria um desastre de massa, e seria preciso fazer triagem”.

Muitos profissionais de pronto socorro e mesmo de atendimento hospitalar não têm experiência neste procedimento, tanto no local do desastre como na recepção de vítimas no hospital.

Marcelo aconselha que o profissional que trabalha com urgência e emergência procure um curso de especialização. “O Ministério da Saúde diz que você deve receber treinamento antes de ir para a rua, mas a realidade do Brasil é outra. Em alguns casos, os profissionais mais qualificados são aqueles que tiveram mais treinamento e que o procuraram por conta própria”.

Ele aponta os cursos: PHTLS (Atendimento Pré-Hospitalar ao Traumatizado)para técnicos e auxiliares; o ATCN (Suporte Avançado no Trauma para enfemeiros) para enfermeiros; e o ATLS (Suporte Avançado de Vida no Trauma) dirigido a médicos.

Grandes eventos
A capacidade de atender múltiplas vítimas será essencial para o Brasil nos próximos anos. Grandes eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 exigirão equipes de saúde prontas para atender emergências de grande porte. Marcelo lembra que uma briga de torcidas pode rapidamente virar um acidente de massa, assim como a queda de uma arquibancada. “Uma briga de torcida pode ter facilmente 150, 200 vítimas”, afirma ele. “Você planeja tudo para que dê certo, mas tem que estar pronto para o caso de não dar certo. Será que o nosso metrô está pronto, será que todas as cidades sede têm treinamento para um bom atendimento deste porte?”.

A ação do governo ainda é tímida neste sentido. “O nosso Conselho e a AMB vão promover treinamento durante o fórum internacional deste ano. Que eu saiba nenhuma outra organização se movimenta neste sentido. Mas suspeito que teremos logo ação do governo, porque vamos receber grandes públicos concentrados em pequenos espaços”, diz ele, “hoje é um material disponível no Brasil, diferente de alguns anos atrás”.

Os parâmetros de avaliação do sistema START:

Legenda: Cor preta: vítima inviável. A vítima apresenta parada cardiorrespiratória; Vermelha: vítima viável emergencial para atendimento imediato; Amarela: vítima viável urgente para atendimento em até 1h; Verde: vítima viável estável para atendimento em 3h ou mais. A vítima dispensa atendimento antes de ser encaminhada ao hospital.

1.Respiração
A. Vias Aéreas
Se a vítima não respirar, posicione suas vias áreas (pode ser um caso de simples de obstrução)
NÃO RESOLVE -> É uma vítima inviável -> Preta.
RESOLVE -> Continua a avaliação.

B. Movimentos respiratórios
Maior que 30 -> Vermelha
Menor que 30 -> Continua a avaliação.
OBS: Crianças tem frequência respiratória maior.

2. Perfusão
A. Verificação de perfusão capilar
Verifica-se a pressão na extremidade de um dos dedos da mão.
Enchimento em mais de 2 segundos (enchimento lento) -> Vermelho
Enchimento em menos de 2 segundos (enchimento rápido) -> Continua a avaliação.

3. Nivel neurológico
A. Lucidez
Verifica-se rapidamente se a vítima responde ao nome, a perguntas simples, se ela apresenta diálogo conexo. Nestas situações, a vítima pode estar apenas desorientada. A avaliação não é criteriosa como em uma emergência comum, quando o enfermeiro avalia orientação no tempo e espaço, amnésia, etc.
Não responde com nexo -> Vermelha
Responde com nexo ->Amarela.

4. Deambulação
A. Consegue andar -> Verde. A vítima dispensa atendimento antes de ser encaminhada ao hospital.

Todos os detalhes são preenchidos em cartão específico do procedimento de triagem.