Práticas Avançadas em Enfermagem ganham musculatura no mundo, mas obstáculos ainda impedem avanços globais

Representantes dos EUA, Espanha, Holanda e do ICN estão no 25º CBCENF para apresentar o panorama mundial da PAE e propor caminhos para a integração mundial da Enfermagem

Nesta semana, o Brasil recebe lideranças, especialistas, mestres, doutores e pós-doutores de diversas universidades e países, para discutir sobre o avanço da profissão no mundo. O auge desses debates aconteceu durante o Seminário de Práticas Avançadas de Enfermagem – Experiências Internacionais de Enfermeiros, nesta quarta-feira (24), um ícone da programação do 25º Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem (CBCENF), onde representantes dos EUA, da Holanda, da Espanha e do Conselho Internacional de Enfermagem (ICN, em inglês) compartilharam como é o processo de formação, a regulação e o mercado de trabalho de seus países.

Práticas avançadas possuem o potencial de melhorar a qualidade da assistência à saúde

As Práticas Avançadas em Enfermagem são atividades altamente especializadas desenvolvidas por enfermeira (o)s com formação e qualificação específicas, que a(o)s permitem atuar de forma autônoma, ou em colaboração com outros profissionais da equipe multiprofissional de saúde. Essas práticas são caracterizadas pela integração e aplicação de uma ampla gama de conhecimentos práticos, teóricos e que visam qualificar a assistência à saúde, ampliar o acesso aos serviços e promover a autonomia e o protagonismo da categoria.

As principais práticas Avançadas em Enfermagem desenvolvidas, em síntese, são diagnósticos, prescrição de medicamentos, solicitação de exames, tratamentos, educação, consultoria, e orientação aos pacientes e familiares, gestão de casos complexos, e outras atividades especializadas em traumatologia, hemodiálise, neurociências e oncologia. No Brasil, as práticas avançadas ainda estão em fase de desenvolvimento, porém já existem avanços consideráveis. O

Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), responsável pela regulamentação da profissão no país, já aprovou a normatização de práticas relevantes, como a prescrição de medicamentos e a solicitação de exames. No entanto, ainda existe um longo caminho a percorrer na regulamentação, implementação e consolidação das especialidades da profissão em todo o país.

De acordo com as evidências disponíveis, é possível concluir que as práticas avançadas possuem o potencial de melhorar a qualidade da assistência à saúde, ampliar o acesso aos serviços e promover a autonomia e o protagonismo da enfermeira e do enfermeiro. São atividades profissionais que estão ganhando musculatura ao redor do mundo e que podem transformar a assistência aos pacientes com necessidades específicas. Entretanto, segundo experts no assunto, a falta de uniformidade da formação e do registro legal em diferentes países ainda prejudica avanços globais da profissão, especialmente em áreas de atuação complexas e disputadas por outras categorias.

ICN e as práticas avançadas na Espanha – O enfermeiro espanhol, José Luis Cobos-Serrano, membro da diretoria do ICN (Conselho Internacional de Enfermagem), afirma que introduzir práticas avançadas é difícil em qualquer lugar do planeta e o principal fator é justamente a diferença de critérios no processo de formação, registro e exercício profissional. Assim, faz-se necessário estimular a cooperação entre os países em busca de convergências que promovam o reconhecimento e a atuação dos profissionais de forma mais equânime. A brilhante exposição mediada pela enfermeira americana Stephanie Diambra-odi, que atua no estado da Georgia, nos EUA, deu o tom de incentivo e animo aos participantes presentes.

“Quando nós voamos pelo mundo, ampliamos muito nossa visao enxergandor novas possibilidades. Costumo dizer que, para escalar uma montanha, é necessário administrar os riscos e escolher o melhor momento de chegar ao topo. Qualquer erro pode comprometer nossa escalada. Assim, é importante lembrar que somos parte de um mesmo time, que joga junto em todo o mundo e que pode se ajudar nesse processo. Deste modo, acredito ser possível encontrar uma forma de encaixar as peças, encontrar um modelo eficiente e convencioná-lo”, destaca.

Cobos-Serrano explica que, na Espanha, os governos das províncias com de enfermeiros práticas avançadas pagam aos profissionais para estudarem e desenvolverem determinadas especialidades, com o objetivo de suprir as demandas da população. Tanto pela via da especialização quanto do mestrado, é possível ascender ao doutorado. O país conta com aproximadamente 300 mil enfermeira (o)s, entre os quais 50 mil já possuem título e registro de especialista. O principal campo de especialização no mercado espanhol é a Enfermagem pediátrica, que atualmente conta com 12 mil profissionais legalmente habilitados.

Situação nos EUA – A enfermeira e pesquisadora brasileira Jeanne-Marie Stacciarini, professora e vice-diretora para assuntos internacionais da Faculdade de Enfermagem da Universidade da Flórida, conta que leva, cada vez mais, brasileira (o)s para fazer semanas de imersão nos EUA, com o objetivo de desenvolver o campo das práticas avançadas nas américas. Ela trouxe ao Brasil uma das maiores referências no assunto, doutora, pós-doutora e reitora René Love, uma das maiores referências do mundo sobre o tema.

“Estamos trabalhando há décadas nesta área e tentando resolver os problemas. Começamos em 1975, uma época muito crítica para os EUA, pois não havia serviço de saúde disponível para a população. Conseguimos capturar o momento que começavam a surgir as oportunidades de agora. Em todo o mundo, estamos vivendo um momento de novas oportunidades, pois a pandemia trouxe problemas que não tínhamos antes. Devemos aproveitar para fazer a diferença, mantendo o nosso foco, que é levar o cuidado para quem precisa de ajuda”.

Love conta que, nos EUA, é necessário concluir o bacharelado para obter o registro profissional. Somente após quatro anos de experiência comprovada, é possível acessar o mestrado. Após isso, o profissional se habilita para fazer um exame nacional de certificação de práticas avançadas. O aspecto negativo é que inexiste integração: o profissional certificado na Flórida, só pode atuar na Flórida. Para exercer em outro estado, é necessário realizar todo o procedimento de registro novamente. “Mesmo depois de atuar 30 anos, se for para outro estado, tenho que trabalhar com um médico e tenho que pagar por isso. Eu tenho mestrado e doutorado, mas sempre digo que sou enfermeira. Não quero ser médica, não sou extensão da medicina, o paciente precisa saber disto”, pontua.

Um grande obstáculo nos EUA é o lobby da medicina, que atua para manter reservas de mercado e impedir a evolução da Enfermagem em relação às práticas avançadas. Criam-se dificuldades legislativas, campos de controle e sistemas de regulação muito fechados. “Temos uma população idosa crescendo e os problemas estão ficando mais complexos. Precisamos, cada vez mais, de provedores e temos cada vez menos. Estamos percebendo certo esgotamento e existem pessoas abandonando a profissão por causa dessas perspectivas difíceis. Portanto, temos que aprender a advogar em favor do futuro da nossa profissão, para superar essas barreiras”, pondera Rene Love.

A grande fonte de inspiração para a consolidação das práticas avançadas nos EUA é a enfermeira Loreta Ford, diplomada em 1941. Como integrante da Academia Nacional de Práticas Avançadas e da Academia Americana de Enfermagem, do alto dos seus 102 anos, a pioneira se tornou expoente na luta pela independência e autonomia da Enfermagem no país.

Lições dos Países Baixos – A Holanda é um país relativamente pequeno, de dimensões parecidas com a cidade de São Paulo. Como tem um mercado de trabalho mais coeso, o país conseguiu estabelecer critérios mais objetivos e eficientes para o avanço da Enfermagem. Segundo a enfermeira especializada em neurologia e mestre em práticas avançadas Carla Gorissen-Browers, você precisa ter autogestão para galgar passos no mercado holandês. “Inicialmente, você pode se tornar especialista em saúde mental ou clinica geral. Para admissão nas práticas avançadas, é necessário comprovar dois anos de experiência, com jornada de pelo menos 32 horas de trabalho distribuídas em quatro dias por semana”, afirma.

Para Gorissen-Browers, é fundamental ter um resultado claro para alcançar uma formação estrutural. “Você precisa ter um bom local de trabalho e saber seus objetivos. O processo de formação em práticas avançadas inclui um programa de dois anos em tempo integral, uma vez por semana, com aulas e treinamentos práticos em habilidades específicas. Muitas vezes, é necessário ser autodidata e empregar mais de 8 horas de estudos por dia. Todo mundo que trabalha com você tem que confiar em ti e é isso que precisamos para alcançar o topo”, diz.

A enfermeira e mestre brasileira Isonir da Rosa, que trabalha na Holanda há mais de 20 anos, mediou as apresentações dos especialistas holandeses. “O primeiro mestrado nos países baixos só ocorreu em 1997 e o seu reconhecimento, apenas em 2018”, conta ela, para demonstrar que, mesmo começando tardiamente, é possível estruturar e consolidar o mercado. “Eu fiz a validação do meu diploma de mestrado em Portugal. Hoje, cumpri toda a burocracia e atuo na Holanda. Por melhor que seja, nenhum lugar é perfeito. Então, temos que fazer um esforço de adaptação sempre”, conta a enfermeira brasileira Sabrina Gruner, que mantém uma página no Instagram (@saudenaholanda) para ajudar outros brasileiros que também desejam validar o diploma para trilhar o mesmo caminho na Europa.

Segundo o enfermeiro Antony van Beurden, especialista em atendimento de urgência e emergência na Holanda, a Enfermeira (o) pode desempenhar todas as práticas avançadas, desde que tenha um caminho teórico bem definido a seguir. Ele tem 15 anos de experiência e ajudou a desenvolver protocolos que hoje são usados em todo o país. “Não há médicos nas ambulâncias, os enfermeiros são altamente treinados para resolver problemas complexos. Com o mestrado, eu posso inclusive atender as pessoas em casa. Estamos evoluindo para dar o cuidado certo, no lugar certo e na hora certa, evitando a lotação desnecessária de hospitais”, destaca.

A Holanda tem 17 milhões de habitantes. O país inteiro conta com 881 ambulâncias e cinco helicópteros, que fazem aproximadamente 1,2 milhões de viagens por ano. O sistema móvel conta com 6.541 empregados e custa cerca de 3,7 bilhões de reais por ano. Todo o processo é controlado por 13 salas de controle. “As pessoas estão ficando mais velhas e isso exige mais cuidado.

A cada quatro anos, precisamos acumular 500 pontos de crédito, performando e fazendo trabalhos específicos, para mostrar que sabemos. Eu dirijo a minha viatura e posso fazer atendimentos em casa, receitar antibióticos, realizar sedação, suturas, ultrassom, massagem cardíaca e muito mais. O médico só é chamado para fazer cirurgias, amputações e outros procedimentos extremamente complexos. Entendo que não é possível em todos os países fazer a mesma coisa, mas podemos eliminar problemas que prejudicam a todos, considera Beurden.

Para quem perdeu, o seminário está disponível na íntegra na plataforma CofenPlay.

Fonte: Ascom – Cofen

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