EnfermagemRevista entrevista enfermeira Elizabeth Akemi Nishio: confira na íntegra!

A enfermeira Elizabeth Akemi Nishio é referência quando o assunto é gestão de equipes. Afinal, hoje ela atua como consultora do Núcleo Corporativo de Enfermagem da SPDM Afiliadas, que conta com um contingente aproximado de 12 mil profissionais de enfermagem. Em conversa com EnfermagemRevista, ela compartilha sua experiência no gerenciamento e destaca a importância de uma governança compartilhada.

Como os modelos de gestão podem trazer benefícios à assistência de enfermagem?

A enfermagem se organiza no ambiente institucional de saúde por meio de modelos de gestão dos Serviços de Enfermagem (SE). No Brasil, conforme estudos, os modelos de gestão mais utilizados pelos SE correspondem aos modelos tradicional ou racional (com foco no indivíduo e na organização) e, histórico-social (centrado na abordagem das práticas sociais e sua historicidade).

Nos EUA, Europa e Ásia, o Modelo de Prática Profissional está sendo utilizado há mais de duas décadas (gerência de enfermagem participativa), em que o enfermeiro pode ser o centro de uma rede de decisões e não no ápice da pirâmide.

A gestão do SE deve envolver uma relação de diálogo entre o saber-fazer gerenciar e o saber-fazer cuidar; utiliza ferramentas administrativas para o método de gestão a fim de planejar, executar, avaliar e controlar. Os meios, (instrumentos) gerenciais, estão refletidos nas práticas de coordenação, supervisão, comunicação, observação e delegação dos processos para a efetivação das atividades de enfermagem, de maneira organizada com o corpo de enfermagem e sistematizada na busca por resultados de qualidade.

Administrar políticas por meio de enfoque estratégico, visão global, perspectivas em longo prazo, construção de consenso com a equipe e outros saberes como compromisso, ética e transparência, constituem as prioridades do exercício profissional. Assim, devem-se criar formas de liderar e administrar, capaz de discernir o momento pelo qual diferentes recursos podem ser aplicados no domínio clínico e/ou operacional, traduzindo demandas de desempenho em estratégias e táticas operacionais, como os modelos de práticas profissionais de enfermagem – definidos como sistemas que determinam estruturas, processos e valores ao assegurar a prática de cuidados de enfermagem.

Esses modelos beneficiam os enfermeiros no controle de suas atividades profissionais com autonomia, em ambiente de cuidado seguro, aspectos que seguramente são relevantes nos modelos de gestão dos SE, propiciando novos rumos aos gestores de enfermagem. Outrossim, são modelos considerados tendências mundiais em gestão, com maior participação dos enfermeiros nas tomadas de decisão que impliquem nas melhores práticas assistenciais de enfermagem e satisfação dos profissionais.

Como tem sido a prática de aplicá-los aos 12 mil profissionais de enfermagem, aproximadamente, vinculados à SPDM?

O Modelo de Gestão do Serviço de Enfermagem da SPDM, aplicado nas instituições gerenciadas pela OSS SPDM Afiliadas, foi organizado e modificado nos últimos 23 anos pelo Núcleo Corporativo de Enfermagem (NCE). Estruturado para aplicar o modelo, coordenar, orientar e acompanhar o desempenho dos SE, o NCE tem como objetivo promover a excelência da qualidade assistencial, primando pela segurança dos pacientes, gestão de riscos e aprimoramento contínuo da equipe, com base nas diretrizes da instituição.

O NCE participa desde o projeto inicial da gestão institucional, organizando a estrutura do SE: dimensionamento da equipe de enfermagem, conforme perfil da organização, papéis e responsabilidades (gestão e operacional); seleção e treinamento do modelo de gestão das lideranças de enfermagem; formas de seleção e admissão; manual padrão dos procedimentos de enfermagem, protocolo de terapia medicamentosa e padrão das normas e rotinas que deverão ser adaptadas ao perfil. PROCESSO: implantação do Processo Assistencial de Enfermagem, garantindo tratamento e cuidado individual baseado nas Teoria das necessidades humanas básicas de Wanda Horta, Teoria do Autocuidado de Dorothea Orem, Teoria do Ambiente de Florence e Teoria de Travelbee para saúde mental.

A Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) contempla as necessidades dos cuidados e os riscos dos pacientes e as barreiras para prevenir eventos evitáveis, relacionado à assistência ou sensíveis à enfermagem e a relação enfermeiro-paciente. Na gestão de enfermarias e linhas de cuidados, utilizamos a Teoria Primary Nursing de Marie Monthey. Acreditamos que é essencial garantir a continuidade do tratamento com treinamentos e orientações aos pacientes e familiares e, se possível, agendamentos de retorno no âmbito da Atenção Primaria à Saúde (APS) ou nível ambulatorial.

A gestão de pessoas é realizada por meio de escalas compartilhadas, com regras claras e transparentes; investimento no desenvolvimento das pessoas; avaliação de desempenho baseado nas competências mínimas por função e, pelos programas “Plano de Desenvolvimento Individual” e “Cuidando de Quem Cuida”, realizados por enfermeiros da educação permanente e continuada e apoio à saúde mental da equipe com programas específicos e individuais se necessário.

A SPDM tem como política a promoção de bolsas de estudos para os profissionais que tenham interesse em prosseguir com seus estudos técnicos, de graduação ou pós-graduação, por meio dos seguintes programas: Aperfeiçoamento de Competência dos Empregados e, Assistência para Transição de Carreira Interna. Como exemplo, temos profissionais de enfermagem que iniciaram a carreira como técnicos de enfermagem, cursaram bacharelado com bolsas de estudos, participaram do Programa Trainee, se especializaram, foram promovidos para Supervisores, Gerentes e, atualmente, são diretores de enfermagem nessa instituição.

Os RESULTADOS dos indicadores sensíveis à enfermagem e relacionados à gestão de pessoas são: absenteísmo, rotatividade e acidente com material biológico que reflete o clima organizacional, são monitorados e discutidos tanto na instituição, nas unidades, como nas reuniões mensais de lideranças com o NCE.

Atualmente, a SPDM Afiliadas gerencia hospitais gerais e especializados, ambulatórios médicos de especialidades, CAPS, Pronto Socorros gerais e psiquiátricos, Atenção Primária de Saúde em territórios ou microrregiões, Centro de Reabilitação Lucy Montoro e SAMU. As instituições gerenciadas seguem as boas práticas da qualidade assistencial e segurança dos pacientes; são avaliadas periodicamente por organizações do terceiro setor, como Organização Nacional Acreditação ONA Nível I, II, III (15 instituição, destes sete NIII de Excelência)); Programa Canadense de Acreditação Qmentum International 5 instituições); Certificação por distinção Serviço Hemodinâmica (uma instituição); Certificação por Distinção na Identificação Precoce e Tratamento de Sepse ILAS/IQG (uma instituição) e, Certificação da CARF – Commission Accreditation of Rehabilitation Facilities (uma instituição).

Elizabeth Akemi (à direita) em reunião na sede do Coren-SP

Quais os principais desafios de modelos de gestão vinculados às diretorias de outras profissões?

A equipe de enfermagem tem em média 1.100 interfaces em um ambiente hospitalar: no Projeto Terapêutico Singular, com equipe multidisciplinar (corpo clinico, técnico assistencial), em unidades de apoio como Central de Material e Esterilização, Centro Cirúrgico, Laboratório Análises Clinicas, Radiologia, Métodos Gráficos, Recursos Humanos, Unidade de Gestão de Pessoas, Banco de Sangue, Hotelaria, Farmácia, nutrição, Portaria, Recepção, SAME, CCIH, Qualidade, Central de Equipamentos, dentro outros.

Compreendemos que as relações de interfaces com os diversos saberes e unidades devem ser harmoniosas e respeitosas, com definições claras de pedidos e entregas que são realizadas por meio de “contratos internos” entre a enfermagem e as unidades de apoio, mediadas por normas e rotinas consensuais, com responsabilidades.

Quais os principais modelos de gestão adotados na SPDM e quais as suas características?

A minha tese de doutorado, defendida em 2020 na EPE/UNIFESP, propôs um estudo sobre avaliação do modelo de gestão do serviço de enfermagem aplicado em 16 hospitais gerenciados pela SPDM Afiliadas. A publicação está disponível aqui.

Nesse estudo, utilizamos a ferramenta de Robert Hess, denominado Index of Professional Nursing Governance (IPNG), traduzido e adaptado para o português em 2016. O IPNG avalia a percepção dos enfermeiros quanto ao modelo de gestão do SE, abrange seis dimensões de gestão que influenciam as práticas profissionais do enfermeiro (gestão e assistencial), como pessoal, informação, recursos, participação, prática e objetivos e, resolução de conflitos. Os valores dos escores dessa ferramenta classifica o modelo de gestão: 86 a 172 – Modelo de Governança Tradicional; >173 – Modelo de Governança Compartilhada 1, 2, 3 e, > 345 – Modelo de Autogestão.

Foram convidados 1.523 enfermeiros, porém, consideramos 518 (34,1%) participantes, pois responderam 100% (86 questões) do instrumento supracitado. Os resultados mostraram que na maioria dos hospitais (12), o modelo de governança compartilhado foi percebido pela maioria dos enfermeiros que participaram do estudo, com score > 176,8.

Ressalto que, em relação aos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que deixam nossas instituições, muitos solicitam retorno. Referem autonomia nas decisões sobre os cuidados de enfermagem e participação efetiva na equipe multidisciplinar, como fatores preponderantes para regressar, o que nos deixa orgulhosos de nossa trajetória em termos de gestão corporativa.

A ferramenta de avaliação de Robert Hess é utilizada para melhoria contínua do modelo de gestão, sobretudo em hospitais dos EUA, Europa e Ásia, considerando-se governança compartilhada, preconizada por Porter O´Gray ou Modelo de Práticas Assistenciais, no qual o executivo de enfermagem desenvolve papel principal nas questões de suporte à prática como: finanças, uso de recursos, dimensionamento da equipe, interfaces com unidades fornecedoras ou apoio, evitando-se conflitos ao estabelecer consenso de entregas às unidades assistenciais, definição de papeis e responsabilidades da equipe de enfermagem operacional e gerencial, políticas, qualidade da assistência, educação e relações entre os pares. Isto é, representa autonomia, empoderamento, envolvimento e participação na tomada de decisões. O Modelo de Práticas Assistenciais possui componentes, como cuidado centrado no paciente e família, assistência de enfermagem, prática profissional exemplar, governança compartilhada e relações de trabalho.

Destaco ainda que o Modelo de Governança Compartilhada ou Modelos de Práticas Assistenciais é um dos pré-requisitos para reconhecimento como Magnet Hospital – excelência da assistência.

No Brasil, Santos e cols. introduziram estudos sobre o Modelo de Governança Compartilhada em enfermagem e demonstram a possibilidade de ruptura dos Modelos de Gestão Tradicional dos serviços de enfermagem hospitalares, no qual os enfermeiros têm pouca representação e participação nas estruturas formais hierárquicas das organizações.

Quais benefícios já vêm sendo identificados com a aplicação dos modelos de gestão nas unidades da SPDM?

Primeiramente, as lideranças do NCE reconhecem um longo caminho de aperfeiçoamento e aprendizagem em relação à trajetória do Modelo de Governança do SE SPDM Afiliadas, com investimentos na liderança transformacional, engajamento da equipe, cuidado baseado no relacionamento, cultura, coaching de mentoria e reconhecimento ao alcance da comunidade, bem como participação nas tomadas de decisão assistencial da instituição.

De fato, os benefícios podem ser observados em diferentes cenários e perpassam, necessariamente, pela organização do SE, ambiente de trabalho e qualificação profissional periódica, conforme resultado da dissertação de mestrado da nossa colaboradora Enfa. Ms. Shirley Kuratomi, que avaliou aspectos relacionados à retenção de talentos em nossas instituições. A publicação está disponível aqui.

Outrossim, saliento o intercâmbio de experiências de gestão entre as lideranças que compartilham e multiplicam conhecimento adquirido com seus pares, promovendo a governança compartilhada e reduzindo eventos sensíveis aos cuidados de enfermagem. Isto é, estamos contribuindo, sobremaneira, para o avanço na ciência da enfermagem, integrando os saberes à saúde e o bem-estar da população assistida. Por meio de publicações, também incentivamos nossos colaboradores a divulgar seus resultados e na participação efetiva em eventos científicos.

Quais aspectos devem ser observados na relação hierárquica entre as categorias da enfermagem na aplicação dos modelos de gestão?

O Serviço de Enfermagem da SPDM Afiliadas está subordinado ao Diretor Técnico da Instituição e possui hierarquia compacta, isto é, simples e eficaz, pois permite agilizar a gestão e os processos de trabalho, com definição de papeis e responsabilidades da equipe de enfermagem: Diretor de Enfermagem atua na gestão estratégia com os demais diretores da instituição; Gerente de Enfermagem é responsável pela relação multidisciplinar e dos resultados assistencial de enfermagem; Supervisor de Educação Continuada é responsável pelo cumprimento do Modelo Assistencial; Enfermeiro Clinico é o gestor da linha de cuidado e, o enfermeiro é gestor do cuidado e da unidade assistencial; já os técnicos e auxiliares de enfermagem executam o Modelo Assistencial.