UTIs em risco

A saúde brasileira está novamente sob ameaça: o enfraquecimento da estrutura das unidades de terapia intensiva (UTIs). A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu a consulta pública 753/2019, que tem como objetivo alterar a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 7, de 24/2/2010, que estabelece os requisitos mínimos para funcionamento das UTIs e representa uma grande vitória tanto para os profissionais de saúde quanto para a segurança da assistência de toda a população.

As propostas previstas pela consulta pública preveem alterações em artigos cruciais da RDC nº 7, como os que determinam e detalham a formação da equipe necessária para atendimento ao paciente grave. Por exemplo, o artigo 13 do texto atual detalha a formação necessária para os responsáveis técnicos das unidades, demonstrando uma clara e justificada preocupação com o conhecimento adequado para a prática.

No que tange à enfermagem, a necessidade de especialização em terapia intensiva ou área correlata demonstra a responsabilidade incutida.  A atuação de um enfermeiro especialista reflete em uma assistência mais segura e qualificada, repercutindo em resultados mais satisfatórios que extrapolam o cuidado e reduzem custos para as instituições, operadoras de saúde e, principalmente, para os familiares.

As alterações previstas para o artigo 14 sejam talvez as que mais demonstram um total descrédito à saúde da população. A determinação de quantitativo mínimo de profissionais em uma equipe multiprofissional para atendimento em UTI é fruto de um trabalho árduo e consciente sobre a amplitude do cuidado necessário ao paciente crítico. A revisão proposta ignora e exclui toda essa formação e suas características, apelando para termos genéricos. Esse afrouxamento nas regras estabelecidas pela RDC nº 7 abre uma grande brecha para a desqualificação profissional, que põe em risco imediato a segurança de toda assistência e do doente.

Outra mudança que desrespeita não só o cuidado ao paciente grave, mas também diretamente o exercício profissional da enfermagem, é a sugestão de novo texto do artigo 29, que retira a necessidade de acompanhamento do internado por enfermeiro com habilidade comprovada para o atendimento de urgência e emergência. A enfermagem é a profissão da saúde cuja atribuição prevê um cuidado contínuo, com uma atuação à beira-leito 24 horas por dia, 7 dias por semana, e com cuidado centrado no paciente e suas peculiaridades. Menosprezar essas características é mais uma afronta à maior categoria profissional da saúde brasileira, com mais de dois milhões de trabalhadores, sendo mais de 500 mil só no estado de São Paulo.

É inaceitável a exclusão desses profissionais do cuidado em terapia intensiva. A saúde da população é um bem muito maior do que o lucro que pode ser gerado sem a contratação de trabalhadores  devidamente qualificados. A população deve e merece ser cuidada atentamente por pessoas, com sensibilidade, olhar clínico e dotadas de toda capacidade técnica, não somente por equipamentos.

A previsão da equipe de atuação em terapia intensiva na resolução também dá base, força e amparo legal para seu cumprimento. As ações da Anvisa para o cumprimento da RDC nº 7 vêm surtindo efeitos positivos desde a sua publicação, com acompanhamento e rigor em relação aos hospitais que não atendem ao previsto. Sendo assim, por que retirar essa competência?

O Coren-SP conclama à toda população que participe da consulta pública 753/2019 da Anvisa, aberta até o próximo dia 17 de fevereiro, para exigir que todo o texto original da RDC nº 7 seja mantido. As UTIs não são formadas apenas por máquinas, e sim por profissionais preocupados com a saúde do paciente grave, seus familiares e com o atendimento humanizado. Por isso, é imprescindível que as unidades de terapia intensiva sejam tratadas com a mesma dedicação e o mesmo respeito, além do respaldo técnico que lhes são característicos no cotidiano. As UTIs estão em risco e precisamos cuidar para que elas sobrevivam!