Pioneira da enfermagem em Atibaia conta como ajudou a formar mais de 700 técnicos

A enfermeira Quicuie Tamura Kawame, nascida em 1945 e formada há 52 anos pela Escola de Enfermagem da USP, ainda tem a disposição de quem acabou de entrar na profissão.

Gestora do Hospital Novo Atibaia, que ajudou a fundar nos anos 70, ela é um exemplo de profissional que contribuiu ativamente para o desenvolvimento da enfermagem no estado de São Paulo.

“Cheguei a Atibaia em 1970, acompanhando meu marido que era ortopedista e que fez parte do grupo de sete médicos que abriram a clínica São Camilo aqui na cidade”, conta ela. Com o passar do tempo, a clínica se tornou o atual Hospital Novo Atibaia, unidade com 135 leitos e com mais de 400 profissionais de enfermagem.

A profissional ainda atua como assessora no Hospital Novo Atibaia

Um pouco antes da inauguração do hospital, que ocorreu em 1971, Quicuie já se preocupava com a falta de profissionais de enfermagem no município.

Ela era a única enfermeira da cidade e em breve teria um hospital inteiro para tomar conta. A profissional então falou aos médicos pioneiros do hospital: “a hora que isso aqui crescer e vocês começarem a trabalhar, alguém vai ter que cuidar desses pacientes. Eu sozinha não dou conta”.

Em busca de uma solução para o problema, a enfermeira institui um curso para transformar as pessoas da cidade em profissionais da área de enfermagem. É importante lembrar que naquela época a profissão não era regulamentada como hoje, e existiam os atendentes de enfermagem que, apesar de atuarem na área, não precisavam ter formação específica.

“Eram leigos e o curso que dei era sobre enfermagem do lar. Tentei captar quem teria condições de ser contratado para trabalhar se um dia eu precisasse. Não deu certo, pois eram senhoras, donas de casa da cidade que não tinham interesse em trabalhar fora do lar e meninas jovens da cidade, mas isso foi um norte”, conta.

Em um próximo momento, um dos médicos fundadores do hospital deu a ideia de Quicuie fazer um convênio com a Cruz Vermelha do Brasil. Depois de se reunir com representantes do órgão, ela fechou um acordo para realizar a formação de auxiliares de enfermagem pela Cruz Vermelha em Atibaia. Até então os cursos da associação eram realizados apenas na sede, em São Paulo.

Quicuie foi pioneira na formação de técnicos de enfermagem em Atibaia

“Vieram em média de 40 a 50 alunos. Toda a pedagogia foi dada pela Cruz Vermelha, e as professoras eram eu e mais duas enfermeiras. Em um ano conseguimos formar esses alunos e os qualificamos, saíram com diploma de auxiliares de enfermagem pela Cruz Vermelha. Do total de iniciantes na turma, se formaram 28 alunos”, conta Quicuie.

A formatura dos 28 alunos foi um pouco antes da inauguração do Hospital Novo Atibaia, em 1971, e alguns deles começaram a trabalhar na instituição. Agora ela contava com uma equipe para auxiliá-la na assistência aos pacientes.

De enfermeira a enfermeira, mãe e professora

No final de 1976, já com quatro filhos pequenos para cuidar e atuando como chefe da enfermagem do hospital, Quicuie recebeu um telefonema da direção da Escola EEPSG Major Juvenal Alvim, unidade estadual de ensino médio em Atibaia.

“Me perguntaram se eu poderia dar um curso de enfermagem no início do próximo ano, o que aceitei prontamente pois estava habituada a fazer palestras sobre cuidados do lar e primeiros socorros”, conta.

Em fevereiro de 1977 ela foi chamada pela escola para dar o tal curso. “Chegando lá, havia 25 alunos e a direção da escola me falou: ‘essa é sua classe, eles querem fazer curso de técnico de enfermagem’”. Quicuie tomou um susto, pois pensou que faria apenas uma palestra e quando se deu conta, seria a responsável pela formação de toda uma turma de técnicos de enfermagem.

Como não havia outro enfermeiro na cidade para ministrar as aulas, ela não pôde recusar o convite. “Eu pensei: ‘se eu não aceitar dar as aulas, esses alunos terão que escolher outra profissão e esse curso de técnico de enfermagem aqui em Atibaia não irá nem nascer’”.

Fazendo um grande esforço, Quicuie passou a conciliar a nova carreira de professora em período integral com a de gestora de enfermagem no Hospital Novo Atibaia e também com o papel de mãe de quatro filhos pequenos.

Com o tempo acabaram chegando outros professores para dividir a responsabilidade com ela, mas Quicuie nunca abandonou o magistério. A procura do novo curso técnico foi tanta que no segundo ano, em 1978, houve outra turma com 80 alunos.

Com o tempo, a enfermeira cursou uma licenciatura na Unicamp, fez faculdade de pedagogia e pós-graduação na área de educação, abraçando de vez a carreira de professora que conciliava com a de enfermeira.

“O curso foi crescendo, os alunos foram se formando e sempre vinham outros. Acabei trabalhando por 28 anos nessa escola, formando técnicos de enfermagem”, conta ela, que afirma que nunca havia planejado ser professora, mas acabou cedendo às circunstâncias.

A profissional calcula que, no total, formou mais 700 técnicos ao longo de sua carreira.

Em 2007, depois que Quicuie já havia se aposentado como professora, ela ficou sabendo que o curso de técnico de enfermagem na EEPSG Major Juvenal Alvim seria encerrado por uma mudança na legislação que versa sobre o ensino médio.

Mais uma vez, o lado professora dela falou mais alto e Quicuie se sentiu no dever de marcar reuniões com o prefeito de Atibaia e com o Secretário Estadual da Ciência e Tecnologia, com o intuito de continuar existindo um curso para a formação de técnicos de enfermagem em Atibaia.

A iniciativa deu certo e a partir de um convênio firmado entre a prefeitura e a secretaria estadual, surgiu o primeiro curso técnico em Atibaia pela Escola Técnica Paula Souza, que a partir de então passou a contar com uma unidade no município. Além de enfermagem, a escola passou a oferecer cursos técnicos em outras áreas, como edificações, nutrição e informática.

Atualmente, a enfermeira está aposentada como professora e atua como assessora no Hospital Novo Atibaia, sendo membro do grupo controlador da unidade.

Um incentivo inesperado

Em seus tempos de estudante de enfermagem, no fim dos anos 60, Quicuie teve a oportunidade de conviver com grandes nomes da profissão e que depois viriam a entrar para a história da enfermagem brasileira.

Wanda Horta deu aulas na Escola de Enfermagem da USP entre os anos 60 e 1981

Um desses personagens foi Wanda de Aguiar Horta, enfermeira que introduziu os principais conceitos teóricos da enfermagem utilizados no Brasil. Wanda era uma das professoras de Quicuie na Escola de Enfermagem da USP.

No segundo semestre do curso, Quicuie começou a ter aulas práticas. “Você tem que fazer limpeza, fazer a cama. E comecei a me questionar: ‘porque eu tenho que fazer a cama? Não estou cursando enfermagem para isso’. Na época eu era muito jovem e não tinha ideia do que era enfermagem”, diz.

Quicuie conta como Wanda Horta, que foi sua professora na USP, acabou contribuindo para que se concluísse a graduação em enfermagem

Ela começou a cogitar desistir do curso. “Algumas colegas minhas já haviam desistido pelo mesmo motivo”. Até que a professora Wanda Horta ficou sabendo dos questionamentos da jovem aluna e chamou-a para uma conversa.

“Ela me explicou que, como enfermeira, eu deveria gerir a equipe e que eu não iria fazer limpeza ou arrumar camas no meu dia a dia profissional, mas que deveria saber fazer essas coisas para poder ensinar os atendentes de enfermagem”, conta.  

“Aí eu acabei ficando no curso, até que me formei. Eu fui gostando de mais coisas, porque esse primeiro momento é um baque. Depois você parte para coisas técnicas mais elaboradas”, explica a profissional que, cumprindo a predição de Wanda Horta, tornou-se especialista em ensinar e contribuir, ela mesma, para a formação de novas gerações de profissionais de enfermagem.