Nota de conscientização sobre videoclipe com enfermagem erotizada

O Coren-SP recebeu manifestações de profissionais de enfermagem acerca de um videoclipe que está sendo realizado pelo produtor cultural Kondzilla com as cantoras Tainá Costa, Dani Russo e Mila. Nas imagens que foram alvo dos contatos dos profissionais – e que foram postadas no Instagram das artistas -, as cantoras aparecem trajando fantasias com referências à enfermagem (roupas brancas e um chapéu com uma cruz vermelha).

Imagem publicada no Instagram da cantora Tainá Costa mostram os bastidores da gravação do videoclipe

Em uma das mensagens recebidas pelo Coren-SP, uma profissional de enfermagem afirma: Isso agride minha profissão, me entristece, me deixa brava… Não existe sensualização alguma em nossa rotina de trabalho… Muito pelo contrário… Existe trabalho exaustivo, muitas vezes com condições precárias, salários indignos… E muito amor, sim… Mas não esse amor sensualizado na forma dessa publicação… É amor pelo ser humano, pela vida de alguém que está doente, que está se recuperando, ou ainda que está morrendo… Tristeza me define ao ver isso.

O sentimento de decepção desse comentário é repleto de situações que a enfermagem enfrenta. A profissão é majoritariamente feminina – no estado de São Paulo, 87% dos profissionais são mulheres, num total de mais 400 mil trabalhadoras. Como é sabido, a presença do machismo e da sexualiazação da imagem da mulher são muito fortes no Brasil, o que, de maneira misógina, reduz a existência feminina ao erotismo e ao desejo.

Não raro, a enfermagem sofre ataques justamente por essa característica. Recentemente, o Coren-SP condenou a postura do apresentador Danilo Gentili e do coach Daniél Rocha por comentários ofensivos à profissão e às mulheres que a compõem. Há alguns anos, o Coren-SP também havia estabelecido um diálogo com as atrizes Giovanna Ewbank e Ingrid Guimarães, justamente para esclarecer quão problemática é a erotização da enfermagem.

Em atenção à realidade narrada no comentário da profissional, o Coren-SP, em suas ações de fiscalização, preza por uma assistência segura aos profissionais de enfermagem e à população. Em meio à pandemia, intensificou seu foco nos planos de contingência da Covid-19 e identificou questões como a falta de EPIs e os impactos causados à saúde mental. Também apoia publicamente a aprovação de um piso salarial nacional, pois entende que isso pode evitar que os profissionais se desdobrem em mais de um emprego, além das tarefas domésticas, geralmente atribuídas às mulheres.

Cerca de 80% dos profissionais de enfermagem paulista já sofreram alguma agressão verbal ou física no seu ambiente de trabalho, e cerca de 80% dessas pessoas não denunciam por medo. Considerando a grande maioria de mulheres que compõem a enfermagem, pode-se depreender quantas milhares de mulheres sofrem caladas por situações de violência enquanto estão exercendo seu trabalho.

A enfermagem passou a ser mais reconhecida na pandemia, com manifestações de aplausos de figuras públicas, mas isso, mesmo que seja uma atitude positiva, arrefeceu e não é suficiente para o devido reconhecimento da profissão. Infelizmente, para o senso comum, depreende-se os médicos como exemplo de profissionais da saúde. A enfermagem, que corresponde à maior força de trabalho da saúde brasileira, muitas vezes acaba sendo tratada como uma categoria acessória, o que não corresponde à realidade nem à autonomia da profissão.

Portanto, o Coren-SP entende que a veiculação do videoclipe com personagens que representam a enfermagem de forma alegórica e erotizada possa prejudicar a imagem da categoria, perpetuando uma visão equivocada e já ultrapassada. Por isso, solicita às equipes do produtor Kondzilla e das cantoras Tainá Costa, Dani Russo e Mila que revejam a abordagem pretendida, sem sexualizar a imagem da enfermagem feminina, para ajudar numa luta diária de que tantas situações que desprezam a categoria possam ser evitadas.