Escala criada por enfermeira brasileira avalia risco de lesões decorrentes da posição do paciente na cirurgia

A Escala de Avaliação de Risco para o Desenvolvimento de Lesões Decorrentes do Posicionamento Cirúrgico do Paciente (ELPO) foi desenvolvida durante o doutorado da enfermeira Camila Mendonça de Moraes Lopes, na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), concluído em 2014.


Nova escala, de avaliação de risco engloba sete itens que devem ser levados em conta pelos enfermeiros que a utilizarem

A professora adjunta na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ – Campus Macaé), do núcleo de Enfermagem Médico-Cirúrgica, especialista em Engenharia Biomédica, se tornou autora da inédita da ELPO com o propósito de nortear a prática clínica do enfermeiro perioperatória.

Em entrevista exclusiva ao Portal do IBSP, Camila explica como a ferramenta é importante para a rápida tomada de decisão sobre o cuidado do paciente durante o posicionamento cirúrgico.


A enfermeira Camila Mendonça, criadora da escala
 

IBSP – Sobre a ELPO: o que lhe instigou a criar esta escala?
Camila Mendonça de Moraes Lopes – O estudo com o cuidado de enfermagem durante o posicionamento cirúrgico do paciente se iniciou em 2006 e foi motivado pelos questionamentos que a prática clínica incitava: “qual seria o melhor cuidado durante o posicionamento cirúrgico do paciente?”. Este procedimento se realizado de maneira inadequada pode ocasionar complicações respiratórias, vasculares, neurológicas e tegumentares. Entendemos que a avaliação de riscos é imprescindível para agilizar a tomada de decisão do enfermeiro perioperatório durante a execução de seu plano assistencial.

Neste sentido, no estudo sobre os cuidados de enfermagem durante o posicionamento cirúrgico do paciente, buscamos as melhores evidências existentes sobre a temática. Estas nortearam a definição dos domínios da ELPO, sendo esta uma estratégia para avaliar o risco dos pacientes cirúrgicos.

IBSP – Como foi o processo de criação?
Camila Mendonça – Após a elaboração da primeira versão da escala, foi realizada a validação aparente e de conteúdo da mesma por 30 juízes e uma pesquisa de campo para realização de sua validação concorrente, validação preditiva e a confiabilidade interobservadores.

O estudo de validação comprovou que a ELPO é um instrumento confiável e válido no sentido de identificar o risco dos pacientes cirúrgicos em desenvolver lesões decorrentes do seu posicionamento, como dor e lesões por pressão.

IBSP – Quais itens a ELPO engloba? E como funciona a pontuação?
Camila Mendonça – A ELPO engloba sete itens (tipo de posição, tempo de cirurgia, tipo de anestesia, superfície de suporte, posição dos membros, comorbidades e idade do paciente). Cada um destes é organizado com cinco subitens que indicam da menor à maior situação de risco.

O escore da ELPO varia de 7 a 35 e quanto maior o escore, maior o risco de o paciente desenvolver complicações decorrentes do posicionamento cirúrgico do paciente. Para facilitar ainda mais sua utilização, propusemos uma nota de corte, definida estatisticamente, e indicamos que os pacientes com escore acima de 19 estão numa situação de maior risco.

IBSP – Como é a aplicação prática?
Camila Mendonça – A aplicação deve ser ao posicionar o paciente em mesa operatória, o item tempo deverá ser estimado, deve se considerar sempre a situação de maior risco. Deve-se verificar a necessidade de implementar algum cuidado especial para se reduzir o risco de lesões em pacientes classificados com escore acima de 19.

Dessa forma, entendemos que a ELPO direciona o cuidado do profissional da prática clínica no sentido de apontar os pacientes em maior risco, contudo é salutar a realização de protocolos assistenciais de posicionamento e programas educativos com todos os profissionais envolvidos durante o posicionamento do paciente para que estes tenham o conhecimento necessário para implementar estratégias nos pacientes com maior risco de desenvolvimento de lesões decorrentes do posicionamento cirúrgico do paciente.

IBSP – A ELPO é uma forma de promover segurança e qualidade na assistência ao paciente?
Camila Mendonça – Após o estudo de validação da ELPO e acompanhando alguns hospitais que já estão utilizando seu escore para nortear os cuidados advindos de seus protocolos assistenciais de posicionamento cirúrgico, percebemos que a utilização da ELPO direciona o profissional a desenvolver e implementar cuidados preventivos, além agilizar a tomada de decisão e justificar o gasto decorrente do uso de algum dispositivo de posicionamento, superfície de suporte ou mesmo superfície adesiva redistribuidora de pressão, também garante que estes estejam sendo utilizados naqueles pacientes que realmente tem o maior risco de lesões. Dessa forma, seguramente melhoramos a qualidade da assistência prestada.

IBSP – Onde a ELPO é usada?
Camila Mendonça – A ELPO está sendo muito utilizada em pesquisas científicas por todo o Brasil e, inclusive, está sendo feita sua validação transcultural na Europa e já está sendo utilizada para direcionar o cuidado em vários hospitais das regiões Sul e Sudeste do Brasil.

A identificação correta de riscos garante que os cuidados sejam implementados naqueles pacientes que realmente necessitam. Muitas vezes, no centro cirúrgico, as decisões tem que ser tomadas com rapidez e, neste caso, as melhores intervenções podem ser para aqueles pacientes que não tem tanto risco.

IBSP –Pode contar algum caso clínico que exemplifique a importância dela?
Camila Mendonça – Quando vemos uma idosa, com pele frágil e do outro lado uma jovem hígida, tomamos a decisão, sem considerar os outros fatores de risco para desenvolvimento de lesões decorrentes do posicionamento, como o tipo de posição, o tipo de anestesia, o tempo de cirurgia, entre outros. Neste exemplo, pode ser que a decisão da utilização da única superfície de suporte melhor disponível no setor (por exemplo, um colchão de visco elástico) seja direcionada para a paciente idosa e não à paciente jovem.

Com a aplicação da ELPO, fazemos uma associação dos fatores de risco e o escore gerado pode, no exemplo citado, indicar que a jovem teria um escore maior que a idosa, portanto, com maior risco de desenvolver lesão de posicionamento. E, assim, a jovem teria uma atenção especial mesmo sendo jovem.

Na prática clínica, esse tem sido o maior diferencial da utilização da ELPO para nortear as ações de cuidado, pois os pacientes com maior risco de desenvolvimento de lesões são sinalizados e é possível implementar ações para a prevenção de complicações que muitas vezes não acontecia.

IBSP – O principal objetivo é melhorar a qualidade da assistência?
Camila Mendonça – A ELPO é um instrumento de fácil aplicação e pode ser útil na prática clínica. Seu principal objetivo é fornecer subsídios para a melhoria da assistência de enfermagem, bem como incentivar o desenvolvimento de protocolos de cuidados direcionados para o posicionamento cirúrgico do paciente.