Covid-19: enfermeira de Ribeirão Preto desabafa com poemas sobre sua rotina

A pandemia da covid-19 é um desafio para as ações da enfermagem não só na assistência aos pacientes. Tantas incertezas e o medo da contaminação também têm afetado os profissionais, como demonstra sondagem recente realizada pelo Coren-SP.

A enfermeira Ingrid Ribaldo, de Ribeirão Preto, tem mais de dez anos de profissão, e assim como todos os profissionais de enfermagem ao redor do mundo, tem encarado uma rotina que jamais imaginou. Para desabafar sobre a pressão cotidiana e fazendo uma reflexão sobre si mesma, ela tem encontrado alívio na poesia.

“Estou na linha de frente à Covid-19 e tem sido muito difícil. Sei que o Coren-SP e o Cofen não têm medido esforços para nossa segurança e também com ações de saúde mental. Mas tem sido dias de reflexões até mesmo da profissão que escolhi, mas talvez ainda mais profundas sobre quem eu sou, quem fui e quem eu quero ser”, conta Ingrid.

A enfermeira Ingrid Ribaldo, antes e durante a pandemia da covid-19

As publicações de Ingrid estão disponíveis abaixo:

 

Talvez…

Talvez amanhã seja um dia melhor,

Talvez seja difícil como tantos outros,

Talvez tudo passe,

Talvez piore,

Talvez eu tenha medo,

Talvez eu me ache a pessoa mais corajosa,

Talvez eu sinta saudade,

Talvez eu não sinta nada,

Talvez eu receba mensagens de incentivo,

Talvez eu receba mensagens difícil de engolir,

Talvez eu consiga superar,

Talvez eu adoeça,

Talvez eu perca pessoas que amo,

Talvez eu reate laços,

Talvez eu respire profundamente a brisa da manhã,

Talvez eu respire o meu próprio ar,

Talvez eu me sinta sufocada,

Talvez eu me sinta saudável,

Talvez eu sinta raiva,

Talvez apenas medo.

Nunca a vida foi algo certo, mas viver cada dia com um talvez não nos inspira.

Sem inspiração, a vida fica menos colorida.

Mesmo que a pinte da cor que mais gosto e coloque glitter pra brilhar,

Mesmo que tente demonstrar esperança, é difícil de acreditar.

Muitos talvez, talvez amanhã esteja melhor e talvez depois de amanhã não.

COVID, consciência onde viver inspirado ficou difícil.

 

XX.XXX.XXX-X

Perdi minha identidade…

O que eu faço?

Abre um BO e vai no Poupatempo.

Se minha identidade fosse essa, antes da quarentena acharia que um dos meus maiores problemas seria ter tempo de ir no Poupatempo.

Que engraçado esta percepção e aí me questiono: que tempo queremos poupar? Desde quando controlamos o tempo?

Enfim, se tivesse sido roubada alguém falaria: mas que bom que não tiraram a sua vida.

Mas tirar a vida de alguém não implica neste momento na sua morte iminente.

Tirar a vida de alguém e cerceá-la de não fazer as coisas que gosta, de não ter poder de ir e vir e de não ter autonomia nas decisões.

Caro policial, caro colega, caro leitor,

Perdi sim minha identidade, e isso implica em tantas coisas, que nem sei ao certo como explicar.

Quando não me reconheço no espelho, possivelmente tenho uma imagem distorcida,

Quando não me alimento bem e quando não faço atividade física, possivelmente meu organismo compreende que deve usar o mínimo de energia possível pois posso ficar doente,

Quando estou trabalhando não posso tocar e o toque é o essencial à minha profissão,

Quando não consigo me comunicar, transmitir meus pensamentos, me sinto coagida,

Quando não estou ao lado de quem amo, me sinto sozinha.

Quando não trabalho, me sinto culpada,

Quando trabalho demais, me sinto cansada,

Quando não sei o que quero, me sinto confusa,

Mas a grande questão é: como você perdeu sua identidade se está de quarentena e não sai de casa, apenas para trabalhar?

Perdi quando percebi que eu não sinto, mais nada.

Porque até o tempo que antes não podia perder passa e já não sei mais que dia é, há quanto tempo tudo isso aconteceu e o pior, quando realmente perdi minha identidade.

Será que foi antes, quando fazia tudo no automático, será que foi hoje quando me dei conta de quem eu sou.

Talvez ela tenha sido perdida há muito tempo,

Como eu perdi, não sei, apenas sei que por muito tempo não precisei dela,

Quando eu só olhava pra ela pra me inscrever em algo quando me pediam para colocar a data de expedição,

Pois todas minhas outras identidades estavam por cima da MINHA identidade, a carteira profissional, de motorista, do CPF, do título de eleitor, do cartão do banco, do cartão da loja, do papel de filha, de amiga e de mulher.

Mas a minha identidade mesmo, perdi há muito tempo, agora pretendo não Poupartempo para recuperá-la.

Prazer meu nome é Ingrid, meu segundo nome é Reny e meu sobrenome Ribaldo.

Minha certidão de nascimento está intacta, mas minha identidade já não, mas eu quero escolher como será meu atestado de óbito e não será por falência de múltiplos órgãos.

Pois aqui ainda bate um coração…