Morte de profissional em rodovia alerta para necessidade de regulamentação da prática em Atendimento Pré-hospitalar
Especialistas destacam a necessidade de treinamento e leis que respaldem a atuação da enfermagem nesta área
Dois acidentes fatais em um intervalo de apenas seis dias envolveram profissionais de enfermagem que realizavam atendimentos de urgência e emergência em rodovias. No dia 14/1, a técnica de enfermagem Evanielle Lima, 31, morreu nas proximidades da cidade de Natal (RN), quando a ambulância que tripulava bateu contra um caminhão na BR-101. A equipe que Evanielle integrava voltava à central do SAMU após atender a uma ocorrência.
Além da morte de Evanielle, um técnico de enfermagem que também estava na ambulância sofreu uma fratura na clavícula em decorrência do acidente. Já no último sábado, 20/1, a técnica de enfermagem Liliane Fátima de Brito, 36, foi vítima de atropelamento na Rodovia Santos Dumont (SP-075), no município de Indaiatuba (SP) enquanto prestava atendimento a uma vítima de capotamento. Ela era funcionária da equipe de socorristas da concessionária AB Colinas, que administra a rodovia.
Ainda é cedo para apontar responsáveis pelos acidentes, que estão em fase de investigação. Apesar disso, há uma série de questões relacionadas ao atendimento pré-hospitalar em rodovias que devem ser observadas com atenção. “Não podemos falar desses casos recentes porque ainda não foram apurados. Mas de uma forma geral temos observado que a capacitação dos profissionais atuantes em algumas instituições de APH está muito aquém do que preconiza a portaria 2.048/2002 do Ministério da Saúde”, afirma Eduardo Fernando de Souza, Conselheiro do Coren-SP e especialista em urgência e emergência.
Ele cita três pontos que merecem atenção no atendimento pré-hospitalar em estradas. “É preciso investir mais em capacitação das equipes, ter mais atenção a possíveis atitudes imprudentes dos motoristas das ambulâncias e seguir os protocolos de segurança”, resume.
A enfermeira Marisa Aparecida Malvestio, coordenadora de enfermagem do SAMU de São Paulo e do Grupo de Trabalho (GT) de Urgência, Emergência e Atendimento Pré-Hospitalar do Coren-SP, concorda com a necessidade de treinamento dos enfermeiros e dos condutores que trabalham com APH. “O profissional de enfermagem precisa conhecer, além das técnicas de atendimento pré-hospitalar, os procedimentos para canalização das vias e detalhes de segurança, como a correta colocação dos cones, por exemplo. Além disso, é necessário o investimento no treinamento dos condutores de veículos de urgência, que conduzem não apenas o paciente, mas também uma equipe altamente treinada e especializada. O respeito às regras de trânsito por parte dos condutores é fundamental”, diz Marisa.
Ela também lembra que regulamentação da atividade pré-hospitalar traria um olhar mais atento à questão da formação e treinamento dos profissionais. De acordo com a presidente do Coren-SP, Renata Pietro, esta é uma das bandeiras defendidas pelo Conselho e abordada pelo Grupo de Trabalho. Ela destaca que, de acordo com o último levantamento realizado pelo Ministério da Previdência Social, cerca de sete brasileiros perdem a vida todos os dias em acidentes de trabalho, totalizando uma média anual de 2.500 óbitos. “Um cenário como esse, em que a fatalidade certamente está atrelada à ausência de treinamentos adequados e a medidas de segurança precárias, é ainda mais alarmante para a enfermagem do atendimento pré-hospitalar, que expõe sua vida na tentativa de salvar uma outra”, avalia Renata.
Ela explica as medidas que devem ser tomadas para proteger esses profissionais de enfermagem e as ações que o Coren-SP vem adotando para melhorar esse quadro o mais brevemente possível: “Se faz necessária em nosso país uma política de prevenção mais abrangente e eficaz, que seja capaz de mobilizar tanto funcionários como também empregadores. Também é necessário regulamentar regras e normas que devem ser seguidas pelos empregadores para que o ambiente de trabalho no atendimento pré-hospitalar seja sempre o mais seguro para o profissional. O Coren-SP vem apontando aos órgãos competentes os cenários que necessitam de melhorias e mudanças imediatamente, para que mais vidas não sejam perdidas em nossa Enfermagem”.
Condições desfavoráveis
O gerente técnico do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), organização não governamental dedicada à diminuição de acidentes em rodovias brasileiras, Renato Campestrini, lembrou que já no dia 3 de março de 2017 havia encaminhado ofício à Agência de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP) solicitando a diminuição da velocidade máxima permitida no trecho de Indaiatuba da SP-075 – exatamente onde ocorreu o acidente fatal com Liliane. “Notadamente no trecho localizado no Município de Indaiatuba, é frequente o relato na imprensa de acidentes, seja com condutores/passageiros de automóveis, caminhões ou motocicletas. Semanalmente um acidente é noticiado”, diz o documento.
O ONSV também lembrou que no momento do acidente do último sábado, as condições na rodovia SP-075 eram de chuva e neblina, com baixa visibilidade. “Em condições adversas, nem sempre a velocidade máxima permitida para transitar é a mais adequada, é preciso atenção do condutor às condições das vias e orientações através da sinalização ou painéis de mensagens variáveis para evitar surpresas”, sugere Campestrini.