Entrevista: José Luiz Tatagiba Lamas

O método de trabalho do enfermeiro José Luiz Tatagiba Lamas está quebrando paradigmas e mostrando que a relação entre docentes e alunos não deve ser autoritária para garantir uma aprendizagem eficiente. Essa determinação e ousadia tem rendido premiações pelo reconhecimento dos alunos e da universidade. Em 2013, ele recebeu o Prêmio de Incentivo ao Ensino de Graduação Profª Drª Irma de Oliveira, pelas atividades desenvolvidas como coordenador de graduação, e, em dezembro de 2015, foi homenageado com o Prêmio Reconhecimento Docente pela Dedicação ao Ensino de Graduação. Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) há 27 anos, mestre em biologia e doutor em Enfermagem, José Luiz ingressou na carreira acadêmica após atuar por quatro anos na assistência direta. A motivação? Aprofundar-se no papel social da profissão e na sua importância perante a sociedade. Tantos anos de dedicação à docência agregaram a José Luiz um senso crítico apurado em relação ao modelo de ensino vigente e a coragem de propor novos caminhos, valorizando o papel dos alunos e permitindo que a construção de disciplinas seja um processo mais democrático.

Enfermagem Revista: O senhor notou mudanças no ensino de Enfermagem ao longo da sua atuação como docente?

José Luiz: O ensino mudou, porém, existem muitas coisas que são iguais. Ainda valorizam-se muito o ensino tradicional, as aulas magistrais e o modelo do professor transmitindo e o aluno recebendo. Mas eu vejo que muita coisa mudou porque hoje em dia é comum a aplicação da pesquisa no ensino. As pessoas que trabalham na Unicamp fazem muito isso. Há também as mudanças para o lado ruim, como a proliferação de escolas. Acredito que seja muito mais difícil controlar a qualidade do ensino e fazer a formação adequada dos professores.

ER: Essa realidade compromete a qualidade da assistência?

JL: Eu estou longe da assistência há muito tempo e não tenho como fazer essa avaliação. Mas acredito que isso pode estar acontecendo. Por outro lado, nota-se que a cientificidade da assistência aumentou. Hoje as pessoas dão mais importância a protocolos e aplicação da ciência e com isso o processo de Enfermagem tem sido muito praticado. Na época em que eu fazia assistência a gente não conseguia proceder dessa forma.

ER: Qual é sua avaliação sobre o ensino a distância?

JL: Essa é uma ferramenta importante, que pode ajudar, mas tem que ser utilizada com muita sabedoria e inteligência. Não tem como ensinar de longe. Não há o que substitua o contato com o ser humano. Isso é importante em qualquer área. Por que a importância disso na Enfermagem? Porque a Enfermagem cuida do ser humano em todas as dimensões dele. Enquanto um fonoaudiólogo foca mais na voz, na escuta, o médico na doença e no tratamento, o profissional de Enfermagem tenta focar em tudo ao mesmo tempo. Por isso acho que é importante que o ensino presencial continue acontecendo.

ER: Que tipo de valores o senhor procura passar para seus alunos, além das competências técnicas?

JL: Em primeiro lugar, quero que eles sejam responsáveis e dedicados. Eles têm que entender que isso é extremamente importante e ter responsabilidade com eles mesmos, com a profissão que abraçaram e as pessoas das quais vão cuidar. Também procuro transmitir a importância de se renovarem continuamente, caso contrário ficarão ultrapassados rapidamente. Além disso, procuro colocar muito carinho, muito amor em todas as relações que cultivo, inclusive com meus alunos. 

ER: O que o aluno de Enfermagem busca hoje em dia?

JL: Eles buscam proximidade com o ser humano. Aqueles que entram convictos de que querem ser enfermeiros estão buscando essa integralidade que a Enfermagem tenta resgatar continuamente. Durante um certo período de nossa história as pessoas passaram a ver o ser humano como um ser biológico e esqueceram um pouco as outras dimensões. Isso aparece com muita força dentro da Enfermagem e dentro do ensino, então eles estão buscando enxergar esse ser humano integralmente.

ER: Qual é a sua sugestão para o aprimoramento dos cursos de Enfermagem? 

JL: Sugiro principalmente uma mente aberta por parte dos professores, para que sejam capazes de valorizar o conhecimento que os alunos trazem e de fazerem com que cresçam por meio do reconhecimento das capacidades que eles têm. Se a gente conseguir entender o que o aluno traz, valorizar e trabalhar os pontos em que ele precisa crescer, o aprendizado vai se concretizar a partir da própria experiência e essa forma tende a ser muito mais eficaz e permanente do aquela na qual o professor simplesmente repassa para o aluno o que sabe. Precisamos mudar a perspectiva de que o aluno é alguém que recebe o que a gente tem a dizer e mais nada. O atual modelo é muito limitado. Isso é algo que cansa, chateia.  E é impressionante como eles aprendem a reproduzir esse modelo. Há pouco tempo, teve uma apresentação no Centro Acadêmico e os alunos a fizeram exatamente da forma que criticam, que é o ensino tradicional, com projeção de slide, leitura de texto. Se quisermos superar esse modelo, nós, professores, não podemos esperar os outros. Temos que mudar isso.

ER: Que tipo de dinâmica o senhor sugere para alterar essa realidade nas universidades?

JL: Estratégias de ensino que considerem a valorização do estudante. Ministrei uma disciplina esse semestre com uma colega, que foi direcionada para discussão de temas relacionados com a sociedade, a partir de uma demanda trazida pelo Centro Acadêmico de Enfermagem. Foi uma disciplina totalmente diferente das demais, por ser construída junto com os alunos. Por isso, procuro ter uma postura de respeito e valorização com eles, criando uma relação muito sólida e valorizando aquilo que são capazes de fazer.

ER: O Coren-SP está aprofundando o debate sobre a condição ético-política da Enfermagem, incentivando a categoria a ocupar os espaços de poder e gestão. Isso tem sido trabalhado em sala de aula?

JL: Tenho trabalhado muito o lado ético, reforçando o quanto o trabalho deles (alunos) é importante, mesmo que eles achem que não é, e também o quanto é fundamental a superação de problemas e preconceitos. Formando-os adequadamente do ponto de vista ético, terão condições de fazer suas opções políticas e de qualquer outro tipo.

ER: O que a conquista do prêmio Reconhecimento Docente pela Dedicação ao Ensino de Graduação significa para o senhor?

JL: Praticar ensino de graduação de forma bem feita foi uma escolha de vida. Quando vejo que as instituições em que eu trabalho são capazes de reconhecer essa minha dedicação, sinto-me muito gratificado. É como se tivessem dizendo que tudo o que eu fiz valeu a pena para eles. Eu já tinha certeza que valeu a pena para mim.