Entrevista com Paulina Kurcgant sobre o empoderamento da Enfermagem

Apesar de a Enfermagem representar o maior contingente de profissionais na área da Saúde, ela não ocupa nessa proporção os espaços políticos e de poder. É reclamação recorrente da categoria a falta de autonomia e de reconhecimento da importância de sua atuação. Estudiosa do campo da ética e política com foco na área da Enfermagem, a enfermeira e professora titular da Universidade de São Paulo (USP), Paulina Kurcgant, aponta a postura dos profissionais como raiz desse problema. Autora de cinco livros, Paulina lançou sua primeira obra, Administração em Enfermagem, em 1991, junto com um grupo de docentes da Universidade de São Paulo que desbravou o campo da literatura da profissão no país e no exterior, já que a obra passou a ser adotada como referência em Portugal e no Chile. Também foi aluna da primeira turma de mestrado em Enfermagem, no Brasil, em um tempo em que não havia uma metodologia de pesquisa consolidada na área, dando o pontapé inicial na expansão de mecanismos de formação de massa crítica e cursos de especialização de doutorado em gerenciamento, oferecidos até hoje. Todas essas décadas no ambiente de gestão das unidades hospitalares e o acompanhamento das novas gerações de profissionais de Enfermagem nas salas de aula possibilitaram a Paulina a construção de uma nova dimensão sobre a cultura e as relações de poder desse campo, que surpreendentemente colocam a oportunidade de mudança e conquista da autonomia nas mãos da própria categoria.

 

Enfermagem Revista: A Enfermagem corresponde à segunda maior categoria profissional em termos quantitativos – 1,7 milhão de profissionais no Brasil e 460 mil em São Paulo. Apesar disso, não tem ainda muita representatividade política e ocupa poucos espaços de poder. A quais fatores a senhora atribui essa realidade?

Paulina Kurcgant: Aí é que está o “nó” da Enfermagem. Os profissionais dessa área trabalham em quatro processos, o que é diferente de antigamente. O assistencial, que continua sendo o horizonte; o gerencial, que consiste na dinâmica de trabalho dos recursos humanos; o processo educacional, que é de formação; e o investigativo, de pesquisa. Na área assistencial nós vamos bem, embora o profissional diga, constantemente, quando vai implementar um novo procedimento, que “o diretor do hospital não deixa” ou “o grupo médico não deixa”. E eu pensava: o que a equipe de Enfermagem tem que sempre há alguém impedindo sua ação? Por quê não faz? E aquilo me incomodava, até o dia que eu li a Microfísica do Poder, do (Michel) Foucault Depois disso, comecei a estudar cultura e poder e fui tentando entender o que acontece com a Enfermagem. Não é uma relação de causa e efeito. Tem um contexto histórico. Eram as mulheres que cuidavam dos doentes na família. Depois teve uma fase caritativa, quando as irmãs de caridade prestavam assistência fazendo o melhor que podiam. Mas, apesar de compaixão ser um sentimento muito nobre, é insuficiente como profissional.

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ER: A senhora tem notado algum avanço na postura dos profissionais de Enfermagem?

PK: No último milênio, sabe quais foram as relações de poder que mudaram no mundo? Diminuiu o poder dos pais sobre os  filhos e dos homens sobre as mulheres. O enfermeiro recém-formado vem de uma geração diferente da anterior que é do seu chefe imediato. Ele é questionador e já foi educado de uma nova forma. Os pais de antigamente tinham aquela relação: “eu falei, tá falado” ou “não tem por que dar explicação”. Agora os pais dão explicação para o filho. Então o chefe fala que tem que fazer assim e o profissional de Enfermagem fala: “mas por quê? Existe sim uma coisa muito interessante: o jovem afronta a gente. A chefia percebe como uma afronta porque não foi o jovem que o outro é.

ER: De que forma as relações entre os diversos profissionais da área de Saúde e os da Enfermagem estão progredindo nesse sentido?

PK: Ainda vejo o profissional de Enfermagem – vou falar uma palavra que eles não gostam – inserindo-se de forma subalterna nas relações multiprofissionais. Uma das variáveis é ter sido uma profissão eminentemente feminina e também tem o lado político, que consiste no que você agrega ao trabalho que faz. Isso traz significado ético-político. É interessante que eu, estudando cultura e poder, vejo que ninguém tem poder sozinho. Ele é uma relação entre dominador e dominado e os profissionais de Enfermagem se colocam como dominados. A Enfermagem sempre foi muito disciplinada, cumpridora de regras. Mas hoje o cenário está mudando. As relações estão mais igualitárias, simétricas. Um depende do outro. Os médicos residentes falam assim, uns para os outros: “trata de se dar bem com a chefe de Enfermagem, senão você se dá mal”. Eles atribuem aos profissionais de Enfermagem um poder. Isso mostra um olhar diferente do que estávamos acostumados. Mas ainda há um nó maior do que a relação com os médicos, que é a atuação do nível intermediário de poder na própria Enfermagem. 

Leia a entrevista na íntegra na Enfermagem Revista, página 46. Clique aqui